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Editorial

CATARINA PEREIRA
COORDENADORA EDITORIAL
Há catorze anos, lançámos a Veduta, uma publicação que pretendia ser um novo ponto de observação, a partir de Guimarães, sobre o horizonte do património cultural português, nas suas múltiplas dimensões.
Para o conseguirmos, apostamos num desenho diferenciador e na sinalização de projectos e investigações à margem, que poucas oportunidades teriam de ser publicados, apesar da sua importância local, regional ou nacional. Continuam a faltar, no nosso país, espaços onde seja possível aos investigadores e às investigadoras a divulgação do seu trabalho para um público mais alargado. Passados todos estes anos, parece-nos que a aposta foi ganha, mas 2020 também veio mostrar-nos que é necessário voltar a redefinir precisamente este ponto: a disseminação do conhecimento pelo maior número possível de pessoas.
Atravessámos todo/as, algures entre Março e Junho, fronteiras que jamais se fecharão: a consciencialização efectiva de que a Internet representa o acesso à infinita “Biblioteca de Babel” de Borges (agora mais organizada), mas também como campo de debate bastante perigoso. Como via de aproximação aos que estimamos, seja do ponto de vista pessoal ou intelectual, mas também como cloaca das opiniões mais infundadas e irracionais. Foi notório, por tudo isto, o esforço da maioria das entidades que trabalham na área da cultura, com os espaços museológicos ou musealizados à cabeça, pela vantagem do poder da imagem que detêm. Mais do que em qualquer período da nossa missão como instituições culturais, usamos todas, neste ano incomum, esta ferramenta, lembrando a importância inquestionável da fruição cultural, patrimonial e artística como forma de liberdade de pensamento e de campo aberto à imaginação.
O digital é hoje, portanto, construção sólida. Se depender dele para arquivar memória será uma boa opção, só a História o poderá julgar daqui por largos anos. O que é certo, todavia, é que deixámos de questionar a democratização ao seu acesso, os números de afluência de interessados, ou outros factores que nos preocupavam quando se punha em cima da mesa a transição para o digital. Já que a ligação ao livro continuará, até ver, mais sensorial, nas publicações periódicas parece-nos que esta relação é cada vez mais a do acesso gratuito, da pesquisa rápida dos conteúdos, do copiar/colar das citações. No fundo, consumo do conhecimento ao ritmo de cada um/a e em qualquer lugar. Consumo sem desperdício, note-se, através da desmaterialização.
A propósito desta questão, o projecto Ecomusic - Práticas sustentáveis: Um estudo sobre pós-folclorismo em Portugal no século XXI, assenta de modo perfeito nesta nova face digital da Veduta, pois esta permite-nos navegar agora pelos registos sonoros e audiovisuais que cada autor/a incorpora junto ao seu texto; muitos deles, por sua vez, ligados a outros tantos registos disponíveis noutras partes da grande rede. O leitor/a beneficia da interactividade dos conteúdos, que ganham maior destaque e um espaço de navegação intuitivo e confortável visualmente.
Agradecemos aos colaboradores/as que assim enriqueceram o nosso conhecimento do legado que encerra a música tradicional, um património que nunca foi realmente valorizado, e que, felizmente, começa a ganhar o seu lugar com a ajuda de um pensamento etnomusicológico estruturado.