Editorial
A XV edição da Veduta é inteiramente dedicada à divulgação de estudos e projectos centrados no estudo de árvores com especial significado cultural, histórico, ecológico e paisagístico.
A preservação do património arbóreo português conta, desde a primeira metade do século XX, com sistemas regulamentares nacionais de protecção, mas, à semelhança do que sucede com outras classificações patrimoniais, a sua efectiva conservação depende, essencialmente, do envolvimento de cada pessoa, de cada grupo ou de cada comunidade.
A preservação do património arbóreo português conta, desde a primeira metade do século XX, com sistemas regulamentares nacionais de protecção, mas, à semelhança do que sucede com outras classificações patrimoniais, a sua efectiva conservação depende, essencialmente, do envolvimento de cada pessoa, de cada grupo ou de cada comunidade.
O património paisagístico português sofreu décadas de investidas irreversíveis, onde não faltaram a construção desenfreada, os planeamentos urbanísticos deficitários (quando não a total ausência deles) e preocupações ambientais, arquitectónicas, estéticas, e patrimoniais diminutas, num desordenamento que se iniciou sobretudo após a década de 60 do século passado, e que tem, na sua origem, tanto de cultural como de condicionantes de um país em desenvolvimento que saía de uma ditadura. Contudo, nos dias que nos chegam, as ameaças surgem de uma escala global para ambicionar ao local. Para dar um exemplo, o concurso internacional para atribuição de direitos de prospecção de lítio em oito áreas do território nacional, tem colocado à prova a consciência ambiental de algumas populações. Enquanto redigíamos este editorial, milhares de pessoas acorreram às ruas e praças de Viana do Castelo, numa manifestação cívica contra a exploração deste minério no seu território. O mesmo poderia ser interrogado sobre a transformação da Comporta para acolher o turista, ou residente ocasional, do estrelato global, numa espécie de corrida ao espaço milionária – não o sideral, mas o espaço dos últimos paraísos que restam na costa ocidental europeia. Exemplos, portanto, abundam; mas abundam muito mais as questões, pois não só a paisagem é uma construção conceptual, como bem explicou Simon Schama no seu inolvidável Landscape and Memory (1995), como ela não é nunca isenta de intervenção por parte da nossa espécie.
Em todo o caso, a paisagem não existe se não existir um observador, mas deixará certamente de existir se esses mesmos que a observam não cuidarem dela e não a estudarem para a entenderem profundamente. Lembramos aqui a famosa afirmação que George Berkley fez em 1710: “The objects of sense exist only when they are perceived; the trees therefore are in the garden… no longer than while there is somebody by to perceive them.”, que daria posteriormente origem à famosa questão que lhe é erradamente atribuída: “If a tree falls in a forest and no one is around to hear it, does it make a sound?”
Por isso, voltando à visão pessoal de Schama, a qualquer elemento paisagístico (“wood”, “water”, “rock”), desde as águas do Selho (“river of life”), passando pelo magnífico penedo suspenso da Penha (“sacred mountain”) e terminando na Carvalheira de Ronfe (“forest primeval”) – mas aqui especialmente homenageando as nossas árvores –, além de uma percepção, também lhes associamos histórias e memórias. Memórias de mim, de uma infância debaixo de uma japoneira torcida no seu cor-de-rosa pálido que, quando chegada à época das camélias, atapetava o solo que servia de palco para o canto solitário de uma menina. E na recordação daqueles momentos encadeia-se, ao correr do teclado, uma outra memória: desta vez das páginas de Beatriz e o Plátano, de Ilse Losa, pois «para Beatriz, aquela árvore fazia parte da sua vida, tal como um bom amigo». Instintivamente, saímos em defesa do que sempre sobreviveu em nós se a sua segurança é ameaçada, por cara recordação ou proximidade — assim deveríamos agir com os recursos vegetais que constituem a grande parte da biomassa do nosso planeta.
Resta-me agradecer aos colaboradores e colaboradoras deste número da Veduta que, como o seu próprio nome indica, é uma “Vista” – neste caso imaginemo-la, então, sobre paisagens arborizadas que, numa ténue esperança, queremos presentes e frondosas, ainda que num futuro cada vez mais imprevisível.