Em 2012, um grupo de pessoas decidiu organizar-se para criar um projeto de divulgação de ciência e de promoção do pensamento crítico, que viria a designar-se COMCEPT Comunidade Céptica Portuguesa. Os objetivos passavam por criar conteúdos de ciência em português, combater a desinformação, prestar esclarecimentos informados sobre temas da atualidade e aproximar especialistas e pessoas curiosas através de eventos públicos. Em 2016, este grupo formalizou-se numa organização associativa e, em 2017, publicou o seu primeiro livro intitulado “Não se deixe enganar”, pela Contraponto Editores.
Um dos temas mais abordados tem sido o da saúde, porque é o que suscita mais interesse, preocupações e dúvidas e porque, também por esses mesmos motivos, é o campo mais propenso a mitos, campanhas de desinformação e promessas de falsas curas. Tanto as soluções terapêuticas eficazes como as promessas de cura sem evidência científica têm apresentado propostas de tratamento por vias aparentemente opostas: a via natural e a via científico-tecnológica. No meio, entre o que são tratamentos eficazes e o que são terapias sem resultados, encontra-se o consumidor, ou o doente, confuso no meio de alegações e de explicações que podem parecer fazer sentido, mas que, em bom rigor, não correspondem à realidade. Para tentar clarificar algumas ideias, posições e conceitos, irei explorar neste texto como o apelo à natureza e à tecnologia têm servido para justificar e apoiar falsos tratamentos. Ao mesmo tempo, procurarei esclarecer sobre aspetos relacionados com o tema da saúde com que somos confrontados no nosso dia-a-dia. Alguns destes temas já foram abordados no nosso livro acima mencionado.
A “Bandolete quântica”,
a pulseira do equilíbrio e os adesivos nanotecnológicos
E se eu partilhasse aqui que “a COMCEPT desenvolveu, com o apoio de um consórcio universitário, uma bandolete quântica que permitirá utilizar mais de 10% do cérebro? Tal será possível com recurso à tecnologia já desenvolvida por cientistas da NASA e por engenheiros da Neuralink, baseada no entrelaçamento quântico de neutrinos e catiões, com o apoio de Inteligência Artificial, que permitirá um rejuvenescimento acelerado das células neuronais, aumentando a inteligência em 75% e atrasando processos de demência. Os resultados melhoram também a performance desportiva, como demonstram os atletas profissionais que já usam esta bandolete para melhorar o seu rendimento físico”. Se o leitor está cético relativamente a essa alegação, tem boas razões para isso: tudo o que está entre aspas é inventado, mas serve para demonstrar como funciona o marketing de produtos idênticos que estão, ou já estiveram, no mercado. A estratégia é recorrente: alegações com recurso a expressões científicas e tecnológicas—termos que existem de facto, mas que, juntos, daquele modo não querem dizer nada, a que, por isso, se dá o nome de tecno-verborreia—; a referência a cientistas e a organizações de desenvolvimento tecnológico; promessas relacionadas com a saúde, performance desportiva ou intelectual; a associação a pessoas famosas, como atores ou desportistas.
Se o leitor considera que ninguém seria enganado por tais propagandas publicitárias, pense duas vezes. Há uns anos eram vendidas milhões de “Power Balance”, ou pulseiras do equilíbrio, cujo marketing garantia melhorar o equilíbrio, força, resistência e flexibilidade. Alegadamente, o selo holográfico das pulseiras de silicone melhoraria o “campo energético” da pessoa. As pulseiras eram inclusive encontradas à venda em farmácias, o que lhes conferia credibilidade, e atletas de topo famosos, como Cristiano Ronaldo ou David Beckham, também as usavam. Após críticas de cientistas que denunciaram a fraude e de processos em tribunal por publicidade enganosa, as mesmas tiveram de deixar de publicitar aqueles falsos benefícios. As mesmas continuam à venda, tal como outras idênticas, como as pulseiras ionizadas ou as pulseiras magnéticas.
Mais recentemente, o tenista Novak Djokovic foi fotografado com um adesivo no peito, o TaoPatch, alegadamente com tecnologia nanotecnológica para melhorar o seu desempenho desportivo, em que os nanocristais do adesivo “captam o calor do corpo para posterior conversão em luz fraca que será redistribuída para diversas partes do corpo”. Ou seja, tal como o selo holográfico das pulseiras do equilíbrio, é apenas um adesivo caro que não faz nada. Como podemos garantir isso? De duas maneiras: a primeira, analisando a tecnologia em si (que nestes casos são apenas autocolantes); a segunda, comparando a performance física de dois grupos de pessoas, em que o primeiro grupo usa o acessório completo e o segundo grupo usa o acessório sem “a suposta tecnologia”, sendo que nenhum dos grupos sabe o que está a usar (porque todos os acessórios estão cobertos com uma película idêntica que os torna indistinguíveis). Como os resultados são idênticos entre os dois grupos, conclui-se que não há diferença no efeito da performance física. Porque é que os atletas recorrem então a esses acessórios? Por diferentes razões: porque lhes são oferecidos pelas marcas (os acessórios ao serem exibidos por atletas tornam-se alvo de procura comercial), porque são pagos para usar (outra estratégia de marketing), ou simplesmente estão a experimentar ou até acreditam que funcionam.
O mesmo com as terapias quânticas. As clínicas que vendem estes serviços usam o mesmo jargão científico e apresentam resultados através de máquinas aparentemente sofisticadas, mas nem as alegações têm qualquer plausibilidade ou evidência científica, nem as máquinas apresentam resultados reais. É tudo um logro: as terapias quânticas não funcionam.
Surge outra questão: se estes produtos não funcionam, onde entra a ciência? Não entra. A ciência é sequestrada pelo marketing. A ciência, pela sua capacidade de testar e de comprovar, confere um selo de eficácia e de credibilidade, que é o que as marcas de produtos ou serviços procuram.
Mas nem só de tecnologia vive o homem, ou, melhor dito, nem só da tecnologia se apropria o marketing. No polo oposto, a natureza também é alvo de apropriação pelas marcas. Afinal, tudo o que é natural é bom, certo? Não é bem assim.
As plantas como
base para medicamentos
Se a ciência confere um selo de eficácia e de credibilidade, então a natureza surge como um selo de segurança. Por isso, também o marketing se apropria do conceito “natural”. Todos já ouvimos dizer que “se é natural, não faz mal”. Para perceber como esta afirmação é enganadora basta pensar nos inúmeros alimentos, produtos ou substâncias naturais que são venenosas, tóxicas ou letais, como alguns cogumelos, a cicuta, a ricina ou o mercúrio. Em boa verdade, qualquer substância é potencialmente nociva, dependendo do tempo de exposição à mesma e da dose ingerida. Este é um fator a que devemos ter atenção: dizer que um produto ou medicamento é natural não significa nada por si só.
O marketing recorre à publicitação do conceito de “natural” porque é algo que as pessoas associam como útil e positivo. Fosse por instinto, fosse por transmissão cultural, a humanidade, ao longo do seu percurso de existência, via a natureza como algo criado, ou formado, para estar ao seu dispor: da natureza obtinham os alimentos, os recursos ou os medicamentos. Historicamente, os produtos naturais eram utilizados com fins terapêuticos, com destaque para as plantas. A avaliação da eficácia desses produtos era feita, no passado, um pouco por intuição, tentativa e erro, ou com recurso a uma experimentação sem condições controladas. Por seu lado, o conhecimento era passado por aprendizagem oral ou por compêndios médicos—um ensino livresco.
A ciência, enquanto empreendimento científico profissional como o conhecemos hoje, surgiu muito recentemente, apenas no século XIX, e os ensaios clínicos em condições controladas somente no século XX. Por isso, é difícil avaliar se os tratamentos utilizados num passado distante—normalmente uma amálgama de substâncias—eram mesmo eficazes, e, em caso afirmativo, qual das substâncias dessa mistura seria a responsável pelas melhorias de saúde. Pelo contrário, no presente, conseguem-se discriminar quais as substâncias que fazem parte de uma planta ou animal, isolar as moléculas, estudar as suas características e propriedades farmacológicas e, posteriormente, se for necessário, sintetizar essas moléculas. A vantagem de sintetizar essas substâncias em laboratório é a de evitar sacrificar plantas ou animais em grandes quantidades para obter as substâncias pretendidas—e ao contrário do que por vezes se alega, as moléculas obtidas por via natural ou pela via sintética são exatamente idênticas e com as mesmas características—e ambas são igualmente seguras. Por esta razão, a distinção que se faz dos produtos naturais serem bons e os sintéticos serem nocivos, não faz qualquer sentido.
Também existe a ideia errónea de que a ciência tem desdém por tratamentos à base de plantas. Pelo contrário, são feitas várias pesquisas científicas sobre propriedades terapêuticas das plantas e sobre terapias tradicionais praticadas por diferentes povos, para tentar obter novos medicamentos. Talvez o exemplo mais famoso seja a pesquisa relativa à casca de salgueiro, que se descobriu que o seu mecanismo de ação residia numa molécula que a constituía: o ácido salicílico. Porém, a casca de salgueiro tinha efeitos secundários no sistema digestivo. A solução passou por isolar o ácido salicílico e adicionar-lhe um grupo acetilo, produzindo o ácido acetilsalicílico—o leitor conhecerá esta substância pelo seu nome comercial: a aspirina. Assim, criou-se um medicamento, com doses controladas, e sem os efeitos indesejados.
Interação planta-medicamento
Creio que é do conhecimento comum que determinados medicamentos podem interagir entre si, razão pela qual os médicos e os farmacêuticos perguntam que medicamentos os doentes tomam antes de receitarem qualquer outra medicação. O que poderá não ser tão conhecido é que produtos naturais como chás ou infusões, plantas, ou medicamentos à base de plantas podem também interagir com os medicamentos, potenciando ou inibindo a sua ação no organismo. As plantas têm moléculas, que funcionam como princípios ativos, que podem interagir com as outras moléculas dos medicamentos. É preciso ter em mente que a dicotomia produtos naturais em contraposição com produtos químicos não faz sentido, uma vez que todas as substâncias, sejam naturais ou sintéticas, são constituídas por moléculas químicas. Não existe nada “sem químicos”. Em termos práticos, podemos mencionar o chá de hipericão que corta o efeito da pílula contracetiva, ou produtos à base de plantas com efeito anticoagulante que são desaconselhados antes de uma operação cirúrgica. Por isso, fica o alerta que convém informar os profissionais de saúde não só dos medicamentos como de outras substâncias que esteja a consumir, para que se possam tomar as melhores decisões sem riscos para a saúde.
Como se demonstra a eficácia de um tratamento?
A pergunta que porventura estará a surgir neste momento é se, afinal, os medicamentos à base de plantas serão eficazes e seguros. A resposta é: depende da sua constituição e da dose, entre outros fatores. Para avaliar a eficácia e segurança, é necessário testar o efeito tanto de plantas usadas com fins terapêuticos, como dos medicamentos sintéticos (à base de plantas ou não) colocados no mercado, seguido de um processo de farmacovigilância para detetar, avaliar e prevenir eventuais reações adversas, e assim garantir a segurança dos medicamentos. O problema surge quando são vendidos produtos que não passam por esse escrutínio, mas que são publicitados como “naturais” de modo a transmitir a falsa ideia de que serão inócuos.
A eficácia de um tratamento testa-se com recurso a ensaios clínicos, em condições controladas. Para testar se um medicamento faz efeito, arranja-se um conjunto de pessoas que se divide em dois grupos. A um dos grupos dá-se o medicamento e ao outro dá-se um placebo, ou um falso medicamento—isto é, um produto em tudo semelhante ao medicamento, mas sem a substância ativa que se pretende avaliar. Como o medicamento e o placebo têm um aspeto idêntico, cada um dos grupos não sabe o que está a tomar, para não influenciar os resultados—chama-se a isto um estudo cego. Idealmente, os médicos ou os cientistas que estão a registar os resultados também deveriam desconhecer quais os grupos que estão a tomar o medicamento e quais tomam o placebo, também para não influenciar os resultados. Nesse caso, a cada um dos grupos seria dada uma designação, e um terceiro conjunto de especialistas é que teria acesso à correspondência entre a designação do grupo e qual dos tratamentos estariam a fazer, correspondência essa que só seria revelada depois da avaliação do tratamento. Nesse caso, como nem os pacientes nem os avaliadores sabem que grupos estão a tomar o verdadeiro medicamento, diz-se que se trata de um ensaio duplo-cego. Esta será a metodologia mais rigorosa de avaliar a eficácia. Se ambos os grupos apresentarem resultados semelhantes, isso significa que o medicamento não é eficaz; mas se o grupo que tomou o medicamento tiver melhores resultados do que o grupo que apenas tomou o placebo (o falso medicamento), então isso significa que o medicamento é eficaz. Esta breve descrição será útil para se compreender o que irei mencionar a seguir.
Plantas e a Homeopatia
Apesar de a homeopatia ser tida por uma grande parte da população apenas como um tratamento à base de plantas, na realidade é uma terapia que pode ter na sua constituição plantas, animais ou minerais. Esta terapia, criada no século XIX por Samuel Hahnemann (1755-1843), assenta numa filosofia baseada em dois princípios: “igual cura igual” e “diluições infinitesimais”. Quer isso dizer que uma substância que cause certos sintomas num indivíduo saudável, curaria uma doença que apresentasse sintomas semelhantes; e que, para tal ocorrer, a substância deveria ser diluída dezenas ou centenas de vezes de modo a adquirir mais potência. Por exemplo: uma vez que o café desperta uma pessoa, então, se fosse altamente diluído, iria curar as insónias. O problema com esta explicação é que os dois princípios não têm uma conexão com a realidade, em particular porque, como sabemos, quanto mais diluída for uma solução mais fraca ela é.
Agora aqui é necessária uma breve contextualização histórica. A medicina dos séculos XVIII e XIX era muito diferente daquela praticada atualmente. Nesse período, eram praticadas sangrias, eram administradas substâncias tóxicas e eram realizados tratamentos que não eram testados em condições controladas (pois não havia uma metodologia semelhante à dos dias de hoje), o que resultava em infeções, comorbilidades e mortalidade acentuada. Nesse contexto, a terapia apresentada por Hahnemann, apesar de assente numa filosofia vitalista, que hoje sabemos não ter conexão com a realidade, consistia em hidratação e repouso, que era bem melhor que os tratamentos médicos da época. As pessoas não ficavam curadas devido ao tratamento homeopático, mas os cuidados que recebiam e a ausência de terapias nocivas, garantiam maior probabilidade de sobrevivência. Além disso, à época, ainda não estava estabelecida uma teoria bacteriológica como causa das doenças. As doenças eram entendidas como desequilíbrios energéticos, desequilíbrios humorais ou ainda causadas por “maus ares” resultantes de matéria orgânica em putrefação, explicações essas inseridas na tal filosofia vitalista.
Outro contexto histórico que importa mencionar é que os conhecimentos de química, naquela época, também não estavam desenvolvidos o suficiente para que Hahnemann pudesse compreender o que estaria de errado com a sua teoria. Daí que acreditasse que seria possível obter soluções fortes a partir das diluições sucessivas.
Para alertar para o facto de que a homeopatia não funciona, a COMCEPT já organizou duas demonstrações públicas. No primeiro evento, um conjunto de várias pessoas reuniu-se para realizar uma overdose homeopática através da ingestão individual de uma caixa inteira de oscilococcinum. Caso se tratasse de medicamentos a sério, os participantes teriam de ser hospitalizados, mas como se tratava de produtos homeopáticos demonstrou-se que não têm qualquer efeito, para além de um ligeiro aumento da glicemia, uma vez que os produtos homeopáticos mais não são que água com açúcar, ou, por outras palavras, açúcar muito caro.
Num outro evento, realizou-se um preparado homeopático de café extremamente diluído perante o público, o qual foi ingerido no final pelos participantes. Se funcionasse, todos teríamos adormecido no local—spoiler alert: não aconteceu. Partilho a receita: começou-se com uma solução base de café altamente concentrado. Daí, retirou-se uma gota de café que se misturou com 99 gotas de água e agitou-se. Dessa primeira diluição, já mais clara que a solução escura inicial, retirou-se uma gota que se misturou com 99 gotas de água. E repetimos este processo dezenas de vezes. No final, a bebida ingerida era apenas água. A probabilidade de encontrarmos uma única molécula de café na solução final era nula.
Para os homeopatas qualquer matéria serve para produzir um preparado homeopático. Sabia que existe um preparado homeopático de fóssil de Tyrannossarus rex para tratar a megalomania, ou um preparado homeopático do Muro de Berlim para tratar traumas emocionais? E sim, são tratamentos homeopáticos oficiais. Não faz qualquer sentido…
Chegados aqui, creio que podemos concordar que a teoria não confere plausibilidade. Porém, mesmo assim, ainda se poderia argumentar que a teoria poderia estar errada, mas que o tratamento, na prática, até poderia funcionar. Então porque é que a comunidade médica e científica afirma que a homeopatia não funciona? A explicação foi dada acima: através de sucessivos ensaios clínicos, em condições controladas, com estudos cegos e duplo-cegos. Dividiu-se um conjunto de pessoas em dois grupos, em que um tomava produtos homeopáticos e o outro placebo e, de todas as vezes, se concluiu que não havia diferenças nos resultados entre os dois grupos.
Mas estes produtos não estão à venda nas farmácias? Sim, como estiveram as já mencionadas pulseiras do equilíbrio e muitos outros produtos que não são medicamentos (como cosméticos, produtos de higiene, etc.). Mas não há regulamentação? Sim, os produtos homeopáticos estão abrangidos por um sistema simplificado, em que não têm de provar a sua eficácia (ao contrário dos medicamentos), apenas demonstrar que não têm efeitos secundários (o que é fácil de demonstrar, porque não têm qualquer efeito, para começar).
Plantas para Detox
Outro negócio que está na moda é o Detox—uma suposta desintoxicação do corpo. Os promotores desse negócio afirmam que ao longo da vida o organismo acumula impurezas e toxinas que, se não forem libertadas, serão responsáveis pela causa de doenças. Assim, alegam, torna-se necessário limpar o organismo dessas substâncias através de um processo de Detox e, para isso, vendem os mais variados produtos e serviços que prometem desintoxicar o corpo. Recordar o que se aprendeu na escola sobre o funcionamento do corpo humano serviria para perceber que não é assim que o organismo funciona. O corpo não é uma máquina cujo filtro tem de ser limpo ocasionalmente. Pelo contrário, tem um sistema digestivo associado ao sistema excretor que, juntos, degradam os alimentos em partículas mais simples que serão assimiladas pelo organismo ou metabolizadas nos órgãos respetivos e posteriormente excretadas. Se tivermos o fígado e rins a funcionar normalmente, as substâncias nocivas serão degradadas e expelidas, ou seja, o corpo humano tem órgãos que impedem a intoxicação. Além disso, as toxinas não são sinónimo de impurezas, antes têm um significado concreto em medicina e são seriamente prejudiciais ao organismo, não sendo eliminadas por sumos ou produtos comerciais Detox.
Conclusão
Neste texto, baseei-me no trabalho da minha experiência associativa e nalguns conteúdos do nosso livro intitulado “Não se deixe enganar”, para apresentar uma reflexão em torno de algumas ideias erradas sobre temas relacionados com a ciência, e de como esse desconhecimento nos pode tornar vítimas de enganos por parte do marketing empresarial. Identifiquei duas estratégias de marketing, aparentemente opostas, mas que acabam por apresentar o mesmo resultado: induzir o consumidor ao engano com recurso a desinformação.
A primeira estratégia é a do apelo à ciência, apresentando narrativas que vão ao encontro das mais recentes descobertas científico-tecnológicas, mas em que a descrição do produto ou serviço mais não é que um amontoado de expressões científicas distribuídas quase aleatoriamente, não tendo nenhum significado real.
A segunda estratégia é a do apelo à natureza, associando esta a algo benéfico e seguro, quando a realidade não é assim tão linear. Neste âmbito, há três mensagens que gostaria que fossem assimiladas: a) produtos naturais não são necessariamente mais seguros que os sintéticos; b) não há produtos, alimentos ou tratamentos sem químicos, uma vez que todas as substâncias são constituídas por moléculas químicas; c) produtos Detox são desnecessários e ineficazes, além de que já temos o fígado que cumpre essa função.
Se neste texto foquei-me em duas estratégias de marketing criadas para levar os consumidores a adquirir determinados produtos ou serviços desnecessários ou com potenciais riscos para a saúde, também devo mencionar, caso não tenha ficado claro, que tanto a tecnologia como a natureza têm o potencial de contribuir positivamente para a nossa saúde. A mensagem que quis passar é que, nesse processo, existem tentativas de engano tendo em vista o lucro. A solução deve passar, na minha opinião, pela promoção do pensamento crítico associado a uma maior literacia científica em geral, e a uma maior literacia em saúde em particular, pois uma comunidade mais esclarecida consegue tomar melhores decisões. É nisso que, enquanto sociedade, devemos apostar.
Biólogo, doutorado em História e Filosofia das Ciências. COMCEPT Comunidade Céptica Portuguesa.