Abertura

(Catarina Pereira)

Quando me surgiu a ideia de dar o nome Veduta a esta revista, que A Oficina edita desde 2007, pensei, sobretudo, no conceito antigo de vista sobre paisagens humanizadas, nas quais o património, nas suas múltiplas vertentes, sempre se destacou. Na verdade, a ideia de «paisagem» é um conceito relativamente recente, de criação humana, desenvolvido, grosso modo, a partir do Renascimento. E é precisamente com base nesta ideia transformadora—de uma nova forma de olhar o elemento natural—, que surgem as primeiras vedute no século XVI, evoluindo nos séculos posteriores para as grandiosas pinturas e gravuras de vistas, que, à medida que as técnicas e o gosto iam fazendo o seu percurso, foram ficando cada vez mais topográficas e cheias de vida, passando a representar cidades, ruas movimentadas, paisagens bucólicas, animais e plantas, actividades humanas num determinado espaço, monumentos, ruínas, etc.

(Fig. 1)

Jacob Isaackszoon van Ruisdael (c. 1629-1692), Paisagem com uma vila ao fundo, 1646.
The Metropolitan Museum of Art.

Centrando-nos no período do Renascimento português, podemos afirmar que poucas são as personalidades que detém tamanha importância para o pensamento humanista como Garcia de Orta; que, ainda que não fosse pintor, deixou para a posteridade a descrição pormenorizada de algumas plantas asiáticas e do subcontinente indiano desconhecidas dos europeus da altura. No exercício da medicina, revelou-se também pioneiro na observação científica e racional. E no seu livro «Coloquios dos simples, e drogas he cousas mediçinais da India…» mostrou-se uma abertura às artes própria de um espírito humanista, editando o primeiro poema impresso do seu amigo Luís Vaz de Camões.

(Fig. 2)

Garcia de Orta, Aromatum, et simplicium aliquot medicamentorum apud Indos nascentium historia…, Antuérpia, Oficina de Christophori Plantini, 1567. Xilogravura de cravo‑da‑índia (Syzygium aromaticum (L.) Merrill & Perry) na tradução da obra de Garcia de Orta pelo eminente botânico e horticultor Carolus Clusius (1526-1609).

Durante o ano de 2023, inspirados na obra de Garcia de Orta, concretizámos os Colóquios Simples, uma série de conversas programadas para a Casa da Memória abordando temáticas como a botânica, a história da ciência botânica e as plantas usadas na farmacêutica.

Este programa fecha um ciclo de outros projectos, tais como «Árvores-Memória» ou as visitas ao património arbóreo de Guimarães, que temos vindo a desenvolver, com vista à sensibilização da comunidade alargada para a importância histórica e a fragilidade do património vegetal. O futuro do planeta está dependente do conhecimento científico e das acções ecológicas a nível local, sendo cada vez mais determinante o envolvimento das populações na protecção das florestas, das plantas e dos ecossistemas que delas dependem.

(Fig. 2)

Garcia de Orta, Aromatum, et simplicium aliquot medicamentorum apud Indos nascentium historia…, Antuérpia, Oficina de Christophori Plantini, 1567. Xilogravura de cravo‑da‑índia (Syzygium aromaticum (L.) Merrill & Perry) na tradução da obra de Garcia de Orta pelo eminente botânico e horticultor Carolus Clusius (1526-1609).

(Catarina Pereira)

Diretora Artística da Casa da Memória
de Guimarães e Artes Tradicionais.