Ouvimos, não raras vezes, a necessidade de mudarmos comportamentos face à emergência climática que vivemos. Da mesma forma que ouvimos e lemos, também não raras vezes, a importância do reforço na educação e sensibilização ambiental.
Já o escrevi, noutros espaços, que quando falamos nos desafios que o futuro nos coloca, deveríamos repetir, vezes sem conta, a célebre frase de Nelson Mandela “A educação é a arma mais poderosa que podemos usar para mudar o mundo”. É essa mesma mudança que está ao nosso alcance, reeducarmo-nos enquanto cidadãos, e sermos capazes de equacionarmos alterações, em muitos dos nossos comportamentos diários.
O desafio que temos hoje é que a aceitação da comunidade (e de todos nós) para a mudança está intrinsecamente ligada com a não alteração dos seus padrões de vida, de consumo ou de autonomia. Até isso precisamos de reeducar, e de nos reeducarmos. Estamos mesmo disponíveis?
Contudo, a exigência que colocamos nos cidadãos, deverá ter sempre o respaldo, e exemplo, daqueles que têm por responsabilidade criar condições para a mudança. Recordando Antoine de Saint-Exupéry, em Principezinho “(…)É preciso exigir de cada um, o que cada um pode dar, replicou o rei. A autoridade repousa sobre a razão. (…) Eu tenho o direito de exigir obediência porque as minhas ordens são razoáveis”.
Partindo deste princípio, creio que estaremos sempre muito mais perto de alcançarmos os objetivos que pretendemos. Construirmos um presente, e um futuro, muito mais em linha com os recursos naturais que temos disponíveis, e em completa oposição àquilo que continuamos a “patrocinar”, exigindo do Planeta uma elasticidade que este já não é capaz de garantir.
E qual será a melhor receita? Proibir? Compensar? Educar? Mantenho a forte convicção, seguindo aliás a lógica das receitas, que as de ingredientes únicos não serão as ideais. Ainda assim, acredito que a Educação continuará a ser a forma mais fácil, e consistente, para construirmos sociedades e territórios mais resilientes.
E, neste capítulo, vivendo mais de metade da população mundial em cidades, e preparando-nos para bater verdadeiros recordes até 2030, não restarão dúvidas sobre a importância que estas têm na transformação que preconizamos. Assim como a importância da construção de bases sólidas de educação e sensibilização, junto da comunidade.
A verdade é que os últimos anos têm demonstrado uma maior recetividade, e até exigência da comunidade para a transição ecológica. Mas claro que o caminho é ainda demasiado árduo para nos deixar otimistas quando à construção das cidades que desejamos.
Diria que o grande desafio é transformarmos esta autêntica corrida de “fundo”, numa corrida de “meio-fundo”, por temer que a inversão do caminho demore mais do que aquilo que a emergência climática o exige. Citando o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres “a emergência climática é uma corrida que estamos a perder, mas é uma corrida que podemos ganhar“.
Seja como for, e do ponto de vista profissional sou testemunho disso mesmo, é possível lutarmos por essa mudança. Através do reforço da educação junto dos mais jovens, da sensibilização, mobilização e literacia ambiental da comunidade, e do fortalecimento do diálogo e das ações participativas e de cocriação, capazes de responsabilizar, ainda mais, aqueles que nos rodeiam.
Contudo, esta forma de educar e sensibilizar, também coloca sobre cada um de nós uma exigência maior. Quando apelamos à participação ativa, temos de conseguir ser consequentes com os anseios da comunidade que participa. Por mais desafiantes que sejam as propostas. É esse o caminho que reforça a participação. O inverso, apenas terá como consequência um maior distanciamento dos cidadãos sobre as estratégias participativas.
Em Guimarães, tem sido feito esse caminho, quer através da constituição das Brigadas Verdes, grupos informais de voluntários que cobrem já 79% do território, ou do programa de Educação Ambiental PEGADAS implementado deste 2015, e que leva, atualmente, a todas as escolas do concelho, mais de 800 ações de educação e sensibilização ambiental.
O sucesso do PEGADAS, reconhecido nacional e internacionalmente, já resultou na sua replicabilidade no Brasil. Não apenas como instrumento de educação, mas acima de tudo como ferramenta de empoderamento. No fundo, aquilo que devemos ter sempre como objetivo último nas várias ações que visam a transformação dos cidadãos: mais do que educar, empoderar. O empoderamento é a receita para a construção de sociedades mais exigentes, capazes de discutir as mudanças, ou de as reivindicar.
Também por isso defendo que em todos os projetos ambientais que se pretendem implementar nas cidades se deve ter consciência de que a mudança se faz com os cidadãos. A implementação de transformações no território, sem que estas sejam previamente percecionadas como fundamentais pelos cidadãos, terão sempre tendência de encontrar resistência entre a sociedade. Ao invés, um caminho prévio de reforço do sentido de pertença sobre os desafios em curso, do reforço da literacia ambiental sobre esses mesmos desafios, ou da inclusão dos cidadãos no desenho das soluções contribuirá, de forma decisiva, não só para a boa implementação da transformação, mas igualmente para que o cidadão seja o seu primeiro vigilante.
É também esta uma das vantagens da ciência-cidadã. Embora não seja um conceito recente, e já atravesse a história da ciência provavelmente desde o final do século XIX, como forma de aumentar a capacidade de recolha de dados, a verdade é que esta pode ser um instrumento importante para reforçar o comprometimento, e envolvimento, dos cidadãos nos desafios ambientais.
Em Guimarães, procuramos fazê-lo, e com sucesso, no âmbito da criação da base de dados da biodiversidade do Concelho. O Plano de Ação Local para a Biodiversidade Guimarães 2030 demonstrará que é possível combinar, e integrar, a informação recolhida pelos cidadãos, com a obtida através das metodologias científicas utilizadas.
Percebo que, muitas vezes, se duvide da receita da Educação, quando falamos de necessidade de mudanças a curto prazo. Atingir a neutralidade climática até 2030 (ou mesmo 2040), não é conjugável com a espera pela renovação geracional, por exemplo. Contudo, e independentemente das alterações infraestruturais que necessitamos, há ainda um longo caminho no que diz respeito ao reforço da formação e da literacia ambiental, nas escolas, no setor privado, ou no setor público. E este é o caminho que precisamos também de estreitar.
Curiosamente, e apesar de parecer óbvio, este é um desafio para grande parte das cidades, pouco habituadas a fomentarem o envolvimento cidadão, e também com cidadãos pouco interessados em se integrarem nestas discussões. Também por isso, a sua integração em metodologias co-criativas obriga à implementação de soluções inovadoras, com estímulos diversos que levem à sua participação e, acima de tudo, à disponibilização de equipas dedicadas, capazes de trabalharem estes desígnios.
Ao mesmo tempo, convidam à forte combinação entre as componentes de educação e investigação, como garante da melhor adequação das estratégias utilizadas, assim como à sua monitorização e avaliação.
É esse o princípio que seguimos também no Laboratório da Paisagem, como centro de investigação ambiental e educação. Uma estrutura que seja capaz de olhar para os desafios do território, e contribuir para a sua resolução, através da investigação aplicada e da educação, sensibilização e comunicação ambiental. A instituição prepara-se para completar 10 anos de trabalho nesta área, e creio que tem ficado evidente aquilo que as suas equipas têm sido capazes de alcançar.
Mas regresso à responsabilidade que todos temos, nomeadamente enquanto cidadãos. Se as cidades têm o dever de atuarem como aceleradores da transformação ecológica, nomeadamente na liderança pelo exemplo, então saibamos cumprir com o desafio que temos em mãos. Reforçando também a comunicação ambiental. A arte de descomplicarmos conceitos, sem termos a tentação de radicalizarmos o nosso discurso.
A educação, sensibilização e formação ambiental são o caminho único, e convocam todos. Sem exceção. A construção do futuro pelos cidadãos ou, se preferir, a reconstrução de uma cidade pelos cidadãos é, mais do que apenas desejável, a melhor forma de garantirmos uma mudança consistente e com os aliados que dele/dela farão parte.
(Carlos A. Ribeiro)
Biólogo. Professor. Investigador.
Diretor Executivo do Laboratório da Paisagem.