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Rui Faria Rui Faria

Editorial

Rui Faria

Desde a sua fundação, Guimarães foi uma terra de atração e difusão de gentes e com elas, de seus apelidos, fossem aqui nascidos, ou fixados em ramos multiplicados pelo sucesso reprodutivo da sua linhagem. Sob o título Nome de Família: Guimarães, a Casa da Memória levou a cabo, em 2024, um conjunto de iniciativas que ofereceram à comunidade uma perspetiva importante dessa memória coletiva: a difusão dos apelidos e das histórias das suas linhagens.

Neste sentido, organizámos uma primeira mesa redonda, intitulada Nome de Família: Guimarães, onde especialistas trouxeram à discussão apelidos marcantes do território vimaranense. Dois desses apelidos são apresentados em artigos nesta edição: o apelido Guimarães, como não poderia deixar de ser, e o apelido Abreu.  O primeiro artigo explora a ancestralidade do apelido Guimarães, dos mais recuados, ainda medievais, com as inerentes dificuldades no rastreamento da linhagem, aos ditos “Verdadeiros Guimarães” do início da era moderna, abordando também a sua difusão nas diversas vagas migratórias protagonizadas pelos vimaranenses. Estes aventureiros ostentaram com orgulho o elemento identitário que os ligava à terra natal, o topónimo transformado em apelido. O segundo artigo trata dos Abreu de Candoso, uma família cujo tronco se fixou nessa freguesia e que alcançou uma expressiva difusão ao longo da época moderna, ultrapassando as fronteiras do concelho e do país. Individualiza a casa mãe, o Outeiro de Candoso (São Martinho), e um ramo secundário fixado na casa do Assento, em Nespereira Santa Eulália.

Na continuidade dessa primeira sessão e no âmbito do programa “Caminhos em Volta, realizaram-se duas visitas ao território: um percurso urbano, denominado “Visita a Casas de Apelido”, e um outro, nas zonas rural e área periurbana, intitulado “Vista a Casas com Raízes”.  Seguiram-se, então, duas sessões de introdução à genealogia, com o objetivo de partilhar com a comunidade o conhecimento e ferramentas necessárias à realização das suas árvores genealógicas. Numa primeira sessão, foram apresentadas as fontes manuscritas e impressas de referência para a pesquisa genealógica, bem como recursos digitais para acesso e tratamento da informação extraída dessas fontes. Na segunda sessão, eminentemente prática, os participantes foram guiados no levantamento de fontes e no tratamento da sua informação, recebendo orientações sobre a construção de suas árvores genealógicas. Em paralelo, foram introduzidas as principais bases de dados genealógicas e os cuidados necessários a ter para a sua utilização adequada.

A segunda mesa redonda foi subordinada ao tema “A democratização da genealogia”, apresentou dois interessantes projetos que se afirmaram como recursos fundamentais para democratizar a genealogia, nomeadamente o livro “Descubra as suas Origens”, de Francisco Queiroz e Cristina Moscatel, e o projeto Genealogias FB, apresentado por uma das suas criadoras, Maria do Céu Barros. Alexandra Marques, diretora do Arquivo Alfredo Pimenta, também contribuiu para o enriquecimento da sessão apresentando a base de dados do Arquivo de interesse genealógico. A reflexão subsequente destacou, por um lado, a crescente facilidade no acesso às fontes e ao conhecimento genealógico e, por outro, os desafios que a genealogia enfrenta nos dias de hoje, com o excesso de informação pouco criteriosa e com a ausência de organismos que tutelem a disciplina e o seu exercício, reforçando-a num contexto académico.

A terceira e última mesa redonda foi dedicada às comunidades historicamente marginalizadas que também ajudaram a construir Guimarães, numa sessão intitulada “Apelidos à Margem”. Nela, destacaram-se duas comunidades do Portugal da Idade Moderna – a comunidade sefardita e a comunidade de etnia cigana – além de um grupo social historicamente significativo, os escravos. Ao abordar a história dessas comunidades, constatamos as dificuldades que enfrentaram de afirmação social com um claro reflexo no perpetuar dos seus apelidos fruto da sua condição social; talvez por isso, o quase silêncio sobre os apelidos destes grupos nos três artigos referentes a esta mesa redonda.

Todos os artigos que compõem o programa de atividades da Casa da Memória delineado para dois mil e vinte e quatro estão disponíveis nesta edição da revista, que tivemos o prazer de coordenar, e esperamos que esta jornada pelo passado e pelas histórias dos apelidos que moldaram Guimarães inspire a descoberta e a valorização desta perspetiva da nossa memória coletiva.