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Os escravos em Guimarães: achegas para o seu estudo

(Artigo 8)

Rui Jerónimo Lopes Mendes de Faria
Professor Historiador

A escravatura é tão antiga quando as sociedades humanas. Por Guimarães as notícias de escravos remontam ao final da Idade Média, no entanto é certo que por aqui os houve desde os tempos mais recusados. Durante a Reconquista, os mouros, presas de guerra, eram feitos escravos, do mesmo modo que os cristãos vimaranenses, foram escravizados nos assaltos que os “gentios”[1] fizeram à vila e que conduziram à edificação do castelo de Guimarães.

O período da massificação da escravatura em Guimarães coincide com a expansão portuguesa e o aumento dos fluxos comerciais entre a Europa, África, Oriente e o Brasil. Inicialmente, os escravos vinham da África muçulmana com a conquista de Ceuta e outras cidades norte-africanas. Mais tarde, aquando da exploração da costa ocidental deste continente, os escravos subsarianos suplantam a escravatura moura. Em todos estes momentos as gentes de Guimarães estão presentes. Os vimaranenses envolveram-se, desde os seus primórdios, no movimento expansionista. Como resultado, também Guimarães viu o seu mercado comercializar as presas de guerra. São conhecidas as façanhas dos contingentes vimaranenses na conquista de Ceuta, e documentam-se vários naturais que ao longo do século XVI e XVII serviram naquela praça norte africana[2], assim como em Tânger[3] e noutras, envolvendo-se nos fluxos comerciais com a metrópole[4]. Esta realidade demonstra o alinhamento de Guimarães com os esforços da empresa expansionista. Muitos destes aventureiros inseriam-se nos fluxos comerciais mantendo contactos com mercadores da terra, fazendo circular mercadorias entre os seus espaços e a metrópole. Entre estas mercadorias os escravos mouros também se comercializavam.

Já da odisseia africana além do Saara, também os houve, chegados à vila ricos fruto do seu envolvimento no tráfico negreiros ao longo da sua costa ocidental. Estamos em crer que um destes homens foi Valentim de Barros, cuja história sintetizamos num outro trabalho[5]. Valentim de Barros era primogénito de Salvador Gonçalves, alfaiate e de Margarida de Barros. Em 1568 era “criado do Doutor João de Valadares desembargador d’el rei Nosso Senhor”, morador na cidade de Lisboa[6]. Não sabemos se em nome próprio, ou de seu amo, partiu para África, seguindo as pisadas de seus tios que integraram o tráfego comercial da rota do Cabo. Um chamado irresistível que seria razão bastante para a sua partida ainda no final da década de 60 início da de 70. Os notariais de Guimarães apenas voltam a ecoar o nome deste Valentim de Barros em 1580, quando sua mãe, Margarida Gonçalves, dona viúva, faz uma procuração a seus filhos Jerónimo de Barros e Domingos de Barros para “receber e cobrar em suas mãos quinze mil reis que vêm da Mina de seu filho Valentim de Barros”. Como se vê pela escritura andava por estes anos pela África Ocidental.

O retorno definitivo a Guimarães deu-se por volta de 1592. Já distante dos tempos em que servira como criado, exibia agora o título de cavaleiro-fidalgo e trazia consigo avultadas somas, investidas nas atividades económicas da vila[7]. O serviço prestado à Coroa nas armas garantiu-lhe o foro de cavaleiro fidalgo, mas, considerando o seu envolvimento com a região da Mina, é quase certo que parte da sua fortuna se deveu também ao lucrativo comércio de escravos.

A mercê de cavaleiro fidalgo garantiu-lhe uma nova posição na sociedade vimaranense, abrindo-lhe as portas dos estratos mais elevados da sociedade. Simultaneamente, reforçou através de investimentos, as ligações aos mercadores e oficiais da vila, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento da economia local.

Identificamos, assim, um fluxo contínuo entre os territórios ultramarinos e Guimarães, alimentado pelos seus naturais, que, direta ou indiretamente, se envolviam no comércio de escravos. Mesmo aqueles que não participavam nele ativamente, poderiam beneficiá-lo ao legar por meio de heranças um ou outro escravo.

Este cenário reflete a faceta escravocrata de parte da elite vimaranense. Mas, e a realidade contrária? E o vimaranense feito escravo? Tal situação, embora menos conhecida, pode ser documentada. Muitos foram os cativos em terras mouras, fruto das constantes escaramuças no Norte de África. Porém, o risco da escravidão não se limitava a essas regiões. A navegação representava também uma ameaça constante. As costas portuguesas eram frequentemente assaltadas por corsários franceses, ingleses e, a partir do século XVII, holandeses, além de piratas muçulmanos que perpetuavam os circuitos predatórios desde a Idade Média.

A história que passamos a relatar, embora situada na primeira metade do século XVII, reflete tais perigos…

Domingos de Castro, natural do casal do Castro, freguesia de Serzedelo (Santa Cristina), nascido no início do século XVII, cerca de 1608 e filho de Baltazar Lourenço e de sua mulher Vitória Gonçalves, partiu ainda jovem para o Brasil. O desenrolar dos acontecimentos retoma-se nas suas próprias declarações perante a mesa do Santo Ofício…

«(…) Disse que indo de Portugal o ano de 1623, em abril a vinte e cinco dele e tem feito onze anos e dous meses da barra do Porto para as partes do Brasil a ganhar sua vida, sendo solteiro, de quinze anos de idade, foi tomado poucas léguas da costa por um navio de Turcos em que vinha capitão hum homem por nome Calafatesão, com outros companheiros que com ele iam no dito navio e os levaram a Argel e tentando o dito seu amo o converter e fazer turco a ele confitente, e intentando isto por muitos medos; assim de regales e cometimentos de fazenda, como ao depois de trabalhos grandes, e quando o viu que o não podia reduzir ao que pretendia, lhe disse que o havia de vender, por onde não tivesse liberdade como em feito fez, e o mandou para a Turquia, aonde foi em um navio, e aí foi vendido segunda vez a um capitão de uma galé AAmet Baxet e servindo ao dito seu senhor oito anos ao remo sendo forçado e vendo um turco criado do dito seu senhor por nome Autidas, que ele confitente, não podia suportar tão grande trabalho lhe aconselhou, que se fizesse turco que ele o tiraria da galé, e ele confitente movido do trabalho que padeceu oito anos e desejo que tinha de se ver em terra de cristãos […] se fez então turco dizendo ao seu senhor que o queria ser contanto que o tirasse da galé e assim o fez o dito seu senhor e logo o circuncisaram e levantando o dedo para cima disse as palavras costumadas da lei de Maomé, que querem dizer em português “Deus um só verdadeiro, e Mafomá seu profeta sobre todos e tomou o hábito de turco, mas ele confitente tudo o sobredito fez e disse pela boca e sempre no coração teve a fé de Cristo Nosso Senhor, e nele se não apostou nunca dela e todos os dias rezava cinco padres nossos e cinco ave-marias às chagas de Cristo Nosso Senhor que o não desamparasse e lhe abrisse caminho para se ver em terra de cristãos, e lhe pedisse perdão de sua culpa, e andando neste estado três anos vindo em um navio a Argel de Turcos, se embarcou nas galés de Argel, por tomarem terra de cristãos, […] e chegando à terra a que chama Cope no reino de Granada se meteu ele pela terra dentro com os mais soldados turcos para fazerem aguada, e vindo uma serração de névoa grande se escondeu apartando-se da companhia e se meteu pela terra dentro por vir deliberado a isso, […] à cidade de Vera[8] do dito reino e se apresentou ao capitão dela e logo se quis apresentar aos senhores inquisidores de Granada mas como era português, o quis antes fazer nesta inquisição e assi se veio caminhando, e tanto que aqui chegou se apresentou logo na mesa como fez confessando sua culpa e pedindo perdão a Nosso Senhor e misericórdia a esta mesa (…)»[9]

O serviço dos escravos nas galés e nas minas constituía um dos trabalhos mais árduos e desumanos passíveis de imaginar. O corpo e a resistência física eram levados ao extremo, devido às condições extenuantes e à total falta de salubridade. Domingos de Castro, após oito longos anos de servidão nestas embarcações, sentiu as suas forças esvaírem-se e o corpo ceder sob o peso do cansaço. À beira do colapso físico e mental, e vendo a sua sobrevivência ameaçada, acabou por ceder à conversão ao islamismo.

Este relato extraordinário oferece-nos uma visão impactante sobre escravatura, pelos olhos e vivência de um natural.  Simultaneamente, sintetiza uma realidade frequentemente esquecida: a privação de liberdade é uma condição que não distingue cores nem credos.

Pelo que se escreveu até ao momento, é possível concluir que a escravatura, dos primórdios da nacionalidade ao início da expansão ultramarina, assumiu uma realidade multifacetada. Grande parte dos escravos que circulavam no reino eram, à época, brancos. Apenas após a consolidação de redes comerciais, sustentadas em praças forte na costa ocidental africana, é que o mercado nacional passou a ser inundado por escravos negros, com os portugueses a assumir um papel central no tráfico transatlântico. Entre estes comerciantes de escravos, não faltam os naturais de Guimarães que enriquecem à custa deste lucrativo comércio[10].

Estabelecido este enquadramento passaremos a analisar a escravatura no espaço da vila de Guimarães. É importante esclarecer, desde já, que este artigo não pretende ser uma história da escravatura em Guimarães; muito mesmos qualquer análise sistemática desta complexa realidade. Os dados que reunimos têm origem em fontes diversas, com prevalência para o fundo notarial. São, todavia, dados limitados e dispersos que, por si só, estão longe de representar o todo do fenómeno analisado. Acreditamos que a realidade da escravatura na vila de Guimarães seria muito mais vasta do que o fragmento aqui apresentado. Ainda assim, constituem um ponto de partida. Se este artigo servir para algo, que seja para abrir caminho a futuras análises deste fenómeno. Embora estudada a nível nacional, com importantes referências bibliográficas, a escravatura não mereceu ainda a devida atenção dos olhares locais.

Tal como no resto do país, a chegada de escravos a Guimarães deve ter-se intensificado apenas a partir da segunda metade do século XV, sendo já documentados na vila como propriedade dos poderosos, no final desse século. Dentre os poderosos senhores de escravos destacavam-se os cónegos da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, cujas casas e séquitos constituíam verdadeiros potentados financeiros resultantes dos réditos das suas prebendas, da acumulação de títulos (ou igrejas afetas à Colegiada) e dos benefícios que retiravam do seu exercício enquanto cónegos de uma das mais poderosas instituições religiosas do país. A administração desta imensa riqueza pertencia-lhes!

Um destes poderosos cónegos foi o chantre Pedro Afonso, que, constituindo uma enorme riqueza em vida, legou-a em morte, à instituição que o tornara possível, o mesmo Cabido que integrava. Pese embora o afirme mais do que uma vez que a sua riqueza apenas a ele se deve, seria impensável antevê-la, sem a ligação deste homem à Colegiada.

Pertence-lhe, pois, uma das primeiras referências a escravos em Guimarães. O seu escravo que deixa forro no testamento.

Item, leixo o meu escravo preto for forro que fará de sy ho que quiser por descarreguo de minha alma

Testamento do cónego Pedro Afonso 21-ago-1498[11]

O descargo de sua alma, entenda-se “de sua consciência”, levam este homem de Deus, a alforriar o seu escravo, procurando com esta atitude ser favorecido no momento do juízo, aliviando o peso da sua alma pecadora.

Desconhecemos a quantidade de escravos negros que chegaram à vila após a primeira metade do século XVI, mas é indiscutível que aqui chegaram. O caso do cónego Pedro Afonso, será apenas um exemplo, provavelmente repetido em casas de outros cónegos e cavaleiros fidalgos da vila, onde continuavam a encontrar-se escravatura moura. Um século depois, essa mesma realidade repetia-se na casa do cónego António do Canto, que além de uma escrava moura, possuía também escravos negros, como adiante se verá.

Reunindo os nossos dados, que, como se disse, resultam de uma análise de documentos diversos, entre 1540-1612, constatamos uma primeira e inegável realidade que corrobora a ligação de Guimarães aos grandes fluxos do comércio mundial de escravos: a grande diversidade de origens:

  1. Africana: muçulmanos[12], berberes, etíopes[13] e subsarianos;
  2. Americana: indígenas[14];
  3. Indiana: casta guzarate[15]

 

 

Relativamente à tipologia de documentos consultados, aqueles que referem um maior número de escravos são, como não poderiam deixar de ser, as cartas de alforria, com um total de 15 escravos, ou seja 27% do total observado. Seguem-se as vendas, com 9 escravos, 16%; dotes de casamento, com 8 escravos, 14% e procurações com 7 escravos, 13%. Relativamente a esta última tipologia de documentos, merecem particular especificação em função do seu interesse. Embora a maioria destes documentos correspondam a procurações para recolha de heranças que incluíam escravos[16], ou para caçar escravos foragidos[17], identifica-se algumas que atribuem ao escravo ações de responsabilidade na representação do seu amo, o que não deixa de ser curioso pois estes não têm identidade jurídica. Nestes casos, sendo o escravo uma propriedade, o amo acabava por se representar a si próprio através de um seu bem. Diogo Gonçalves da Índia, abastado cavaleiro mercador, tornado à terra da Índia onde fez fortuna, passou uma procuração a 28 de julho de 1564 a “António Lopes ferreiro morador em Vila Real e a Pedro, arábico, escravo dele constituinte”[18]. A Senhora Catarina Francisca, dona viúva, de Manuel do Porto, passou uma procuração a seus filhos, genro e escravo, Mateus,” para que em seu nome e de seus filhos menores requererem de sua justiça”[19]. Atos de responsabilidade maior que parecem subentender a possibilidade de estes escravos serem instruídos, muito provavelmente saberiam ler e escrever. A sua origem, Arábia e Índia, poderá contribuir para perceber os papeis que lhe são atribuídos. Tratam-se de escravos provenientes de civilizações com um nível cultural que, em alguns aspetos, mereceram admiração dos ocidentais.

Na continuidade da análise do gráfico seguem-se nove escravos nomeados em testamentos, dos quais cinco são identificados num único testamento, o do cónego António do Canto, de que adiante trataremos, ou seja, 9% da observação.

Por último, na categoria outros agregamos uma variedade considerável de documentos, representando um total de 12 escravos, 21% da observação. Temos instrumentos de partilhas como o dos irmãos Rebelo de Macedo, dos Macedo de Souto, nos qual Fernão Rebelo de Macedo, cavaleiro fidalgo, primogénito, Bento de Macedo, estudante da Universidade de Coimbra e Francisco Rebelo de Macedo morador no casal da Costa, em Souto (São Salvador), todos filhos de Manuel Rebelo de Macedo e de Margarida Lopes Ferreira, partilham entre si os seis escravos herdados dos pais: Pedro, preto; Ana, parda; Domingas, mulata; Francisca, mulata; Luísa e Manuel mulatos[20]. Instrumentos de perdão, como o que dá o fidalgo Estêvão Lourenço de Miranda a Belchior Fernandes, morador na Rua de Santa Luzia, sobre certo ferimento que este fizera a seus escravos Manuel e Paulo[21]. Instrumento de quitação no qual o cirurgião Miguel Torres e sua mulher Madalena da Silva dão por quite o senhor Francisco Lamano, cavaleiro fidalgo e sua mulher a Senhora Maria Gonçalves, da cura que fizera à senhora Maria Gonçalves num Braço e assim à cura que fizera a sua escrava Antónia[22]. Como último exemplo da variedade de documento que elencamos sob a categoria de outros destacamos um instrumento de desistência de demanda de via de transação, Leonel Gonçalves, alfaiate, “alfaiate homem solteiro ferido e lançado em sua cama”[23] desistia da demanda que tinha contra quem o ferira e, entre estes, encontramos a Pedro, escravo do cónego António do Canto, homem preto.

Incluímos ainda neste rol um processo do Santo Ofício que envolve Gaspar Antunes, familiar da Inquisição. Em 1599, durante o ano da terrível peste, Gaspar Antunes, enquanto exercia o cargo de almotacé no açougue da vila, espancou violentamente com recurso à vara de almotacé a António, um escravo negro pertencente a António da Costa Barcelos. O escravo acabou por morrer na cadeia da correição, para onde foi levado após o incidente. António da Costa Barcelos levou o caso à justiça, exigindo ser compensado pela perda de seu escravo.

Em sua defesa, Gaspar Antunes alegou que o escravo o teria agredido ao atirar-lhe um osso, e que a morte de António não se deveu às agressões, mas sim à peste que assolava a vila, causando a morte a muitos prisioneiros da cadeia. Sendo um familiar do Santo Ofício, o caso foi julgado pela Inquisição de Coimbra, onde toda essa história foi documentada[24].

Seguidamente, distribuímos o total de escravos por grupo socioeconómico de pertença. No imediato, perfilha-se uma estrutura social onde a nobreza representa o grupo social com maior número de escravos. Nada que nos surpreenda e em perfeita sintonia com aquilo que era a realidade social na Idade Moderna. A seguir destaca-se a Igreja, com os poderosos cónegos da Colegiada a encabeçar o rol; depois, vêm os mercadores, alguns oficiais mecânicos e, com um escravo encontramos um lavrador abastado da principalidade[25]. Trata-se de Pedro Martins, senhor do domínio útil do casal de Silvares, por outro nome Golpilhais[26], em Silvares (Santa Maria), que possuía um escravo que engravidou uma mulher solteira.

Esta realidade que, entendemos, seria incomum no século XVI, irá difundir-se ao longo dos séculos XVII e XVIII, tornando-se frequente identificar a presença de escravos em casas dos lavradores mais abastados das freguesias. As origens deste fenómeno, estavam intimamente ligadas à diáspora portuguesa pelos territórios ultramarinos. Muitos foram aqueles que, saídos da terra, alcançaram o sucesso e enviavam escravos para a casa mãe, com a qual mantinham contato através de redes comerciais estabelecidas. Outros, regressavam com o objetivo de ascender aos patamares da nobreza, fazendo-se acompanhar do seu séquito de escravos e com um objetivo em mente, adquirir a propriedade dos seus maiores. Desta forma, não seria difícil deparar com um escravo negro na área rural de Guimarães por este período.

 

Os casos a analisar

Os casos que nos propomos destacar, espelham diferentes tipo de tratamento dados aos escravos, dos mais desumanos e vis, aos mais enternecedores. Refletem acima de tudo, a índole humana, mas não deixam de nos levar a uma viagem no tempo e criar empatias com estas almas sofredoras, num período em que a Europa Católica mantinha uma ambígua e contraditória com a escravatura. Se por um lado, como vimos, a Igreja Católica foi uma das beneficiárias da escravatura (por Guimarães documenta-se que o Mosteiro de São Francisco e o Mosteiro da Costa eram proprietários de escravos[27]), por outro, alguns dos seus teólogos não deixaram de levantar críticas morais contra o sistema, sobretudo no que dizia respeito ao tratamento desumano dado aos escravos.

Se para alguns, a escravidão era uma forma justa de punição à vida de pecado dos escravos, enquanto pagãos; para outros, como Bartolomé de Las Casas (no caso dos índios), a escravidão era vista como uma contradição à mensagem cristã de igualdade e dignidade de todos os seres humanos; o que o levou a denunciar a brutalidade da escravatura, pedindo uma abordagem mais humana. Contra o tratamento dos indígenas brasileiros levantou a voz o padre António Vieira defendendo de forma veemente os direitos dos indígenas, criticando o tratamento brutal a que eram submetidos pelos colonos. Já relativamente á escravatura africana, o mesmo não foi tão vocal e crítico, encarando-a como parte da ordem social e económica da época, sem questionar profundamente sua legitimidade. No entanto, António Vieira insistia que os escravos africanos deviam ser tratados com dignidade cristã. Apesar de escravos, não deixavam de ser seres humanos dotados de alma, que precisavam de ser evangelizados e tratados com uma certa compaixão, mesmo no seio de um regime escravocrata.

 

Boas ações e más ações…

O caso de Sebastião Zambrocas Plínos

 

Em 1587 o Mosteiro de São Francisco de Guimarães tinha um escravo. Nada que constituísse uma surpresa no século XVI. Chamava-se Sebastião Zambrocas Plinos. Era diligente no seu serviço para evitar os castigos dos frades e, em particular, os do síndico. Certo dia, Zambrocas, sofreu um aleijão que, desgraçadamente, o incapacitou para o serviço. Seria de esperar que os modestos franciscanos cuidassem de amparar o seu escravo face a esta adversidade. Bem, esta seria a história romanceada… Na realidade, o síndico[28], homem de negócios, dominado pela necessidade do lucro, tratou de convencer os frades a vender o escravo de forma minimizar as perdas do Mosteiro, «por sentir que o dinheiro do dito escravo será mais serviço de Deus gastar-se em obras pagas do dito Mosteiro»[29]. E lá se mandou Zambrocas a vender ao Porto por se cuidar aí haveriam mais compradores.

O tratamento dado a Zambrocas revela uma profunda desumanização, onde o escravo, ao perder a capacidade de trabalho, perde também o seu valor. A venda de Zambrocas no Porto, para garantir maior retorno financeiro, exemplifica a brutalidade de um sistema que via os escravos apenas como instrumentos de lucro, sem espaço para compaixão ou solidariedade. Este episódio mostra como a escravatura era conduzida com frieza e desprezo pelos valores humanos.

 

A alforria de Bartolomeu Afonso Caneiros

 

Bartolomeu Afonso Caneiros, natural de Fermentões (Santa Eulália) foi mercador de grosso trato, cremos ter vivido na Cidade de Sevilha parente em grau desconhecido de Diogo Afonso Caneiros, também mercador, senhor da quinta de Caneiros na mesma freguesia.

Em 15 de abril de 1570, no seu casal da Ponte, em Fermentões (Santa Eulália), afetado já pelo passar dos anos “aleijado da mão direita de paralisia” alforria sua escrava Maria…

«(…) estando ele Bartolomeu Afonso presente disse perante mim tabelião público e das testemunhas ao diante nomeadas que vendo ele o muito bom serviço que Maria mulata sua escrava lhe tinha feito a qual ele criara desde o dia de seu nascimento em sua casa e a vontade amor e limpeza com que ela o servira sempre e tinha nela confiança que enquanto vivesse o serviria e também por sentir assim ser serviço de Deus Nosso Senhor e obra de misericórdia e que seria em desconto de seus pecados este bem que fazia e por outros justos e honestos respeitos que a isso o moviam lhe aprazia como aprouve de forrar e haver por forra e isenta de cativeiro a dita Maria sua escrava e bem assim a Inês, Catarina, Gonçalo e António todos filhos dela Maria para que como livres assim eles como a dita sua mãe Maria possam fazer de si o que quiserem e por bem tiverem e isto depois da morte dele Bartolomeu Afonso que enquanto viver servirão com muito amor vontade limpeza e obediência e pede muito por mercê a todas as justiças a que o conhecimento desta carta d’alforria e isenção de cativeiro pertencer e tocar livremente hajam aos ditos Maria e Inês e Catarina e Gonçalo e António mãe e filhos por forros livres e isentos como que se tal sujeição de cativeiro nunca tiveram e os deixem entrar e passar por onde quiserem sem a eles nem em cada um lhe fazer moléstia vexação pensão nem inquietação alguma o que como dito é seja depois da morte dele Bartolomeu Afonso […] e assim disse mais o dito Bartolomeu Afonso que era contente de dar à dita Maria uma casa sobradada de um andar que está junto do forno §§ uma delas por serem duas para a dita Maria com seus filhos morem e vivam na dita casa e em vida dela somente contanto que viva bem e virtuosamente e por sua morte ou indo-se ela da dita casa fique outra vez ao casal e assim a cama que ela tem e tiver e se achar por morte dele e uma ou duas caixas §§ uma grande e outra pequena […]»[30]

 

 

Carta de Alforria de Bartolomeu Afonso Caneiros a sua escrava Maria e filhos. AMAP: Cota Nova 9-1-1-3-1

 

Carta de Alforria de Bartolomeu Afonso Caneiros a sua escrava Maria e filhos. AMAP: Cota Nova 9-1-1-3-1

 

Esta carta de alforria revela não apenas o desejo de libertar Maria e seus filhos do cativeiro, mas também um profundo vínculo de confiança e respeito que se desenvolveu ao longo dos anos entre o amo e a escrava. O documento oferece-nos um vislumbre de humanidade e compaixão que transcende a relação típica entre senhores e escravos da época, sugerindo que, em alguns casos, as relações estabelecidas podiam ser permeadas por sentimentos de afeto e gratidão.

O facto de a alforria ser assumida como descargo de consciência, para “desconto de seus pecados”, evidencia bem a questão humana ligada à escravatura e a consciência de que a liberdade era um princípio do bem e a falta desta, um princípio do mal. O facto de vincar que sempre os tratou como livres, permitindo-lhes circular sem nunca os tolher nem constranger, é significativo quanto à consciência que tinha do tratamento que se davam aos escravos.  Uma clara familiaridade parecem unir Maria a Bartolomeu Afonso, tanto assim que este a criou desde o dia de seu nascimento. Evidencia uma genuína preocupação com o futuro de Maria e seus filhos, garantindo-lhe casa e cama enquanto ela viver, entenda-se, honradamente.

Bartolomeu Afonso, já avançado em idade e debilitado por uma paralisia na mão direita, fundamenta a sua decisão de libertar Maria em dois importantes fatores:

  1. primeiro, menciona explicitamente o “muito bom serviço” que Maria lhe prestou durante toda a vida, destacando que foi criada desde o seu nascimento sob o seu teto, sugerindo um longo laço de convivência;
  2. segundo, reconhece o “amor, limpeza e obediência” com que Maria sempre o serviu, confiando que essa dedicação continuaria enquanto ele vivesse. Essa confiança, e a certeza de que ela o serviria com o mesmo carinho, mostram que a relação transcendeu os limites da servidão e do cativeiro habitual, possivelmente transformando-se numa parceria baseada no respeito mútuo.

A preocupação de lhe garantir um futuro após a sua morte, é também notável. Além de libertá-la, junto com os seus filhos, Bartolomeu Afonso providencia-lhe uma casa onde possa viver com dignidade e segurança, enquanto for viva. Esta doação, juntamente com os móveis, como a cama e as caixas, reflete uma preocupação genuína com o bem-estar dela e dos filhos, garantindo-lhes condições mínimas de subsistência.

O documento destaca o desejo de Bartolomeu de que Maria viva “bem e virtuosamente”, o que revela o senso de responsabilidade e cuidado que sobre ela nutria se mantém, mesmo após lhe conceder a liberdade.  Tal como uma boa cristã, era imperioso que Maria mantivesse uma conduta exemplar, o que reforça a preocupação moral do amo em relação ao seu futuro.

Por último, ao solicitar às autoridades que reconheçam e respeitem a liberdade de Maria e dos seus filhos, Bartolomeu Afonso procura assegurar que a sua vontade seja cumprida, sem que eles sofram perseguições ou moléstias após a sua morte. Este ato final denota um senso de proteção que ele estende a Maria, mesmo além do seu tempo de vida, completando assim um gesto que vai além das meras formalidades de uma alforria.

Em suma, Bartolomeu Afonso demonstra uma faceta de humanidade, compaixão e cuidado com sua escrava Maria e seus filhos, que poderá levar-nos a equacionar a possibilidade de estes poderem ser seus filhos.

No contraponto entre estes dois documentos, constatamos que o caso de Zambrocas expõe o lado impiedoso e comercial do sistema esclavagista, onde a utilidade e o lucro suplantavam qualquer preocupação moral ou religiosa. Já o caso de Bartolomeu Afonso e sua escrava revela, se assim se poderá dizer, uma “dimensão humana da escravatura” onde o afeto e a responsabilidade pelo escravo prevalecem.

Por último, e ainda relativamente às cartas de alforria, o documento mais representado na nossa amostra, é possível identificar curiosas determinações dos senhores de escravos após a concessão da sua liberdade. Registamos aqui dois casos;

Carta de alforria que deu Marcos Fernandes, cavaleiro-fidalgo, a seu escravo Luís.

«[…] a qual alforria lhe faziam contanto que ele Luís será obrigado a acompanhar para a Igreja a ela senhora Catarina Mendes e Maria Vieira sua filha todos os Domingos e dias Santos estando na terra e não estando na terra não será a isso obrigado […]»[31]

Carta de alforria que fez Gaspar Gomes a Isabel sua escrava, mulher baça,

«[…] para que ela de hoje em diante faça de si o que quiser contanto que o sirva por tempo de um ano e por um ano depois da sua morte ir em Romaria a todas as festas e feiras […]»[32].

A análise destas duas cartas de alforria revela que, mesmo após ser concedida a liberdade, o escravo perpetua a condição de submissão à determinações do seu senhor, no primeiro caso, sempre que se aproximar da terra, no segundo, uma obrigação pós-morte do senhor que conserva o vínculo da servidão além da morte do senhor. Embora os senhores os liberassem da servidão, as condições impostas nas alforrias demonstram uma tentativa de manter algum grau de controle ou dependência sobre os libertos, mesmo após a emissão do documento legal que lhes concedia a liberdade.

No primeiro exemplo, Marcos Fernandes, ao libertar Luís, impõe a obrigação deste acompanhar sua esposa e filha à igreja em dias específicos, mas com uma exceção territorial (não estando na terra, Luís estaria dispensado). Mesmo liberto, Luís continua ligado à sua condição anterior, mantendo uma dependência simbólica e prática à vida familiar e às observâncias religiosas da casa. Podemos olhar esta atitude de Marcos Fernandes, como uma demonstração pública de domínio sobre o ex-escravo, escolhendo a igreja como o espaço comunitário de reafirmação do seu status, onde torna visível essa relação hierárquica; além de cuidar do necessário recato aos membros femininos do agregado.

Na segunda carta, o vínculo de servidão que unia Gaspar Gomes e Isabel não é totalmente rompido; este continua, mesmo que temporariamente, após a morte do senhor. Essa determinação prolonga o domínio sobre Isabel, ao transformá-la numa servidora da memória e da honra do ex-senhor, mesmo depois de sua morte.

Essas condições, embora aparentemente secundárias, mostram que a liberdade concedida não era plena, mas condicionada e, em certo grau, limitada. Os ex-escravos, mesmo libertos, encontravam-se vinculados a determinadas obrigações que perpetuavam a hierarquia social e o domínio senhorial.

Destas determinações pode concluir-se que, a concessão de alforrias, não era um ato puramente benevolente ou uma rutura completa com o passado de servidão. Pelo contrário, estas cartas mostram como os senhores tentavam preservar a sua influência e o controle social sobre os escravos além da alforria, perpetuando um legado de submissão.

 

 

 

O escravo face à velhice

 

O cónego António do Canto

O cónego António Canto, arcipreste da Colegiada era filho de João Anes do Canto e de sua primeira mulher Francisca da Silva Nasceu na rua das Mostardeiras, Guimarães cerca de 1500. Foi criado por seu irmão Pedro Anes do Canto, que lhe deixou a legítima de seus pais e o seu ofício de escrivão do Mestrado da Ordem de Cristo e Bispado do Funchal, «o que tudo fiz por afeição que lhe tinha por que o criei comigo na corte de moso de nove annos». Serviu como criado de D. Diogo Pinheiro, vigário de Tomar e Prior da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Foi o primeiro arcipreste da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e foi senhor da Quinta de Vila Verde em Urgeses (Santo Estêvão), Guimarães, além de muitas outras propriedades. Teve a mercê da administração da capela instituída na Madeira por Gonçalo Camelo e sua mulher.

Redigiu o seu testamento em 1555, e dele consta ser senhor de cinco escravos:  Pedro, da Guiné, João, mouro, Beatriz, moura, e Fernando (filho de Beatriz) e Jorge. Estas são as determinações que deixa em testamento relativamente aos seus escravos:

  • Todos deveriam ser alforriados exceto Jorge.
  • A Pedro e João ensinem o ofício de tosadores ou alfaiates à custa da fazenda de seu amo.
  • A Fernando, habilitem a clérigo, “para que rogue a Deus por minha alma pecadora”
  • A Beatriz, casem e agasalhem com seu filho Fernando, caso não queira casar.
  • Todos devem ser perfeitamente vestidos e calçados.

 

Razão pela qual Jorge não é alforriado

«(…) não forro Jorge porque é muito velho e tem mais necessidade de ter quem lhe dê com cativeiro e repairo que d’alforria mando a minha filha que o tenha em casa e lhe dê bom cativeiro e o tratem bem e repaire e com isso me fará a vontade e haverá a minha benção e eu ei que isto é melhor que alforria e mando que nunca seja vendido nem dado salvo o tenha a dita minha filha Mabília do Canto, e estas despesas atrás que se fizerem com estes meus escravos sobreditos mando que se fação do monte mor de toda minha fazenda (…)»

Mais de um século depois outros senhores de escravos, adotam uma atitude completamente diferente face à velhice dos seus escravos. Tratam-se dos senhores da casa dos Coutos, atual Tribunal da Relação. António do Couto Ribeiro, mercador, familiar do Santo Ofício, sargento-mor da comarca e fidalgo casa real, e sua mulher Dona Luísa Joaquina de Abreu.

Em 21 de agosto de 1762, o sargento-mor e a sua esposa decidem, através de um procurador, alforriar Mateus e Antónia, pretos, seus escravos, o motivo é expresso na carta de alforria; além da improdutividade, a velhice impossibilitava os castigos que se impunham aos escravos desobedientes de que resultaria por certo a sua morte. Citam-se alguns excertos:

«(…) eles constituintes eram senhores e possuidores de muitos anos a esta parte sem contradição alguma de dois pretos seus escravos a saber Mateus e Antónia, ambos casados recebidos um com o outro, e por atenderem que estes já se achavam em idade decrepita, pelo qual os não1 podiam servir com aquela prontidão que deviam e além do referido o que mais era, o dito seu escravo Mateus, na ausência o dito seu senhor, ser menos obediente, a sua mulher dele, António do Couto Ribeiro e mais pessoas de sua casa, como também ter atrevimento de descompor, e arremeter a seu cunhado Manuel de Meireles Freire a quem na sua ausência havia cometido à administração dos ditos pretos, por cujos motivos e outras circunstâncias, não era de sua vontade, daqui em diante mais usar da servidão dos ditos escravos; mas antes por se condoer, de lhe dar rigorosos castigos para sua emenda e satisfação de semelhantes absurdos, como se costuma fazer a semelhantes escravos, desobedientes, atendendo a estarem adiantados em anos; os queriam por isentos da sua escravidão […] e por esta razão lhe davam carta de alforria (…)»

A liberdade é concedida sob a condição de que os escravos «(…) não tornariam mais a esta vila de Guimarães, e menos quinze léguas de sua distância, só o que excedesse a elas em redondo, sob pena de que fazendo o contrário, serem presos e lhe não valer a presente carta de alforria mas antes ficarem sujeitos aos ditos seus constituintes como escravos que até ao presente foram e lhe darem ou mandarem dar os castigos que merecem (…)»

Um escravo velho não tinha qualquer serventia. Com o avançar da idade e das limitações daí decorrentes, o escravo deixava de ser produtivo, transformando-se num oneroso fardo para o seu senhor.

Matá-los pesava demasiado à consciência cristã, daí que, uma das alternativas para resolver o problema seria alforriá-los e deixá-los entregues à sua liberdade, ou seja, ao abandono. Deambulavam então que nem cães vadios pelas ruas, até que fome os tombasse, ou fossem validos por uma das várias instituições de caridade de então. Mas esta “liberdade” a ser gozada deveria acontecer longe, vedada aos olhos dos vimaranenses, noutra terra, para que se escondesse das melhores consciências o definhar dos corpos desvalidos, além de impedir que, como homens livres, usassem da palavra junto da comunidade para ventilar podres que conheceriam de seus senhores após décadas de escravatura em suas casas.

Os dois documentos revelam comportamentos diametralmente opostos, em relação à velhice dos seus escravos. Estas diferença de atitudes revela sobretudo uma distinção de carácter. Enquanto o cónego António do Canto demonstra um senso de responsabilidade e humanidade ao garantir cuidados a Jorge, os Couto Ribeiro evidenciam uma atitude pragmática e impiedosa, onde a libertação dos escravos é mais um ato de conveniência do que de compaixão. A comparação entre estas duas atitudes revela como o caráter pessoal e a moralidade dos senhores influenciaram diretamente o tratamento dos escravos idosos, destacando a complexidade e a diversidade das relações de compaixão e poder na sociedade escravocrata.

Esta reflexão pretendeu, com base num conjunto diversificado de fontes, proporcionar uma visão abrangente da escravatura em Guimarães, visando abrir novas linhas de investigação sobre essa realidade a nível local. Foi elaborada com o objetivo de ser apresentada e debatida numa mesa redonda sobre o tema “apelidos das comunidades à margem”. Todavia, como dela se pode depreender, pouco ou nada oferecemos relativamente aos apelidos dos escravos! Uma realidade reveladora. A identidade do escravo era fortemente cerceada ao ponto de lhe ser obliterada. Raramente os nomes dos escravos são mencionados na documentação; geralmente, a ênfase recai sobre sua condição e a relação de posse, com destaque para o nome do senhor. Isto ilustra bem a situação dos escravos. Dos vários casos analisados, apenas três mencionam um apelido: Sebastião Zambrocas Plínos, João Façanha e João Coutinho. Deste, somente o último pode ser relacionado diretamente ao seu amo, Fernão Coutinho, Comendador de Brito. Esta será talvez a única linearidade relativamente à adoção dos apelidos dos escravos. Quando o apelido é adotado, evidencia a ligação intrínseca à casa de seu senhor, funcionando como uma marca de posse.

Rui Jerónimo Lopes Mendes de Faria — Professor Historiador

NOTAS DE FIM

 

[1] É provável que este termo identifique não apenas incursões de Mouros, das também dos temíveis Vikings.

[2] Em 21-jul-1439, Lopo Machado e Álvaro Machado, escudeiros de Rui da Cunha, prior da Colegiada, recebem um perdão de D. Afonso V, “pelos serviços prestados em Ceuta e Tânger, acusados de vários arruídos e mortes, ficando reservado às partes o poder de os demandarem civilmente; ANTT: Chancelaria de D. Afonso V, liv. 19, fl. 24. Em 10-jul-1445, D. Afonso V perdoa a justiça régia e concede carta de segurança a Gonçalo Gil, morador em Garfe, termo de Guimarães, culpado da morte de Álvaro Conde, morador no mesmo lugar, mediante o perdão das partes, contanto que vá servir cinco anos para a cidade de Ceuta. ANTT: Chancelaria de D. Afonso V, liv. 25, fl. 26v. Em 23-out-1471, D. Afonso V perdoa 2 anos de degredo na cidade de Ceuta a Gonçalo de Paiva, criado do duque de Guimarães, acusado da morte de Álvaro Eanes, criado de Martim Carneiro, criado do duque de Guimarães, na sequência do perdão geral outorgado aos homiziados que serviram na armada e conquista da vila de Arzila e cidade de Tânger; ANTT: Chancelaria de D. Afonso V, liv. 22, fl. 55v. Pedro Vaz Golias, natural da vila de Guimarães, onde viveu, o qual foi armado cavaleiro, em 1505, na praça de Ceuta, por D. Manuel. Gaio, Manuel José da Costa Felgueiras, Nobiliário das Famílias de Portugal, tít.: Farias, § 11, n.º 7., foi armado cavaleiro pelo rei D. Manuel na Praça de Ceuta. Miguel Sobrinho de Mesquita, serviu na Praça de Ceuta onde foi armado cavaleiro, acompanhou João Rodrigues Pereira nas guerras que fez aos Mouros aonde ficou cativo. Bernardo do Amaral andou por Tânger e Ceuta, SMS: Cota ARQ185 “Certidão passada a Bernardo d’Amaral a comprovar a sua ida a Tânger e Ceuta, 1580. Em 18-jan-1588 uma quitação de herança documenta um natural, Pedro Manuel, filho de Manuel Dias e de Catarina Afonso, moradores em Guimarães, que faleceu na cidade de Ceuta, nas caravelas da aramada que os Turcos tomaram. AMAP: Cota Antiga Notarial 46, fl. 69 v. Em 03 de setembro de 1597, Gonçalo João, morador na cidade de Ceuta, filho de Gião Martins morador no casal do Rio da freguesia de São Bartolomeu de Vila Cova, veio à terra vender toda a herança bens móveis e de raiz que ficaram por falecimento de Margarida Fernandes sua mãe por preço e quantia de quinze mil reais. AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 80, fl. 83 v a 85.

[3] Também na Praça de Tânger se documentam vimaranenses. Em 30 de julho de 1588, Luís Gonçalves bombardeiro na praça de Tânger, por seu procurador, Salvador Pires, mercador, se concerta com familiares para receber a herança que lhe cabia de seus avós (AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 52, fl. 7 e 8 v, de 30-jul-1588 «Concerto entre Luís Gonçalves morador em Tânger e com João Fernandes e Silvestre Afonso Apolónia Pires, Pedro Domingues»). Em 04-ago-1580, Cestezinha Gonçalves, viúva, moradora na Rua dos Gatos, pretendia receber a herança do seu filho António Gonçalves, bainheiro, morador na Praça de Tânger que faleceu “no desbarate d’el rei Dom Sebastião sendo solteiro”, fazendo para tal uma procuração a João Gonçalves, soldado na mesma terra (AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 57, fl. 71-73). Em 25 de fevereiro de 1577, Alexandre Gonçalves tosador e sua mulher Catarina Pinheira sua filha faziam seu bastante procurador a Sebastião Rodrigues, mercador, seu genro para arrecadar todo o dinheiro que se achar ser devido a António Fermoso, soldado, “que faleceo em Tangere”, filho daqueles (AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 14, fls. 141 v., 142).  Em 11 de setembro de 1585, Sebastião Rodrigues, mercador, morador na Rua de São Tiago, em Guimarães, faz uma procuração a Jerónimo de Barros, residente na cidade de Lisboa, para receber determinada quantia que lhe ficou por falecimento de seu cunhado, António Formoso, soldado que foi em Tânger (AMAP: Colegiada 932s, n.º fls. 95 a 96). A 17 de setembro de 1591, Salvador Fernandes, natural de Guimarães, declara que “haverá vinte anos pouco mais ou menos que em Tângere casou com Bárbara de Almeida filha de Genebra Fernandes e de Lançarote de Almeida moradores em Tângere moradores na sé da dita cidade e viveram dez anos como marido e mulher”. ANTT: Processo de Salvador Fernandes. Código de referência: PT/TT/TSO-IL/028/11352. Datas de produção: 1591-09-04 a 1591-10-05. Cota atual: Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 11352.

[4] Em 21-jul-1439, Lopo Machado e Álvaro Machado, escudeiros de Rui da Cunha, prior da Colegiada, recebem um perdão de D. Afonso V, “pelos serviços prestados em Ceuta e Tânger, acusados de vários arruídos e mortes, ficando reservado às partes o poder de os demandarem civilmente; ANTT: Chancelaria de D. Afonso V, liv. 19, fl. 24. Em 10-jul-1445, D. Afonso V perdoa a justiça régia e concede carta de segurança a Gonçalo Gil, morador em Garfe, termo de Guimarães, culpado da morte de Álvaro Conde, morador no mesmo lugar, mediante o perdão das partes, contanto que vá servir cinco anos para a cidade de Ceuta. ANTT: Chancelaria de D. Afonso V, liv. 25, fl. 26v. Em 23-out-1471, D. Afonso V perdoa 2 anos de degredo na cidade de Ceuta a Gonçalo de Paiva, criado do duque de Guimarães, acusado da morte de Álvaro Eanes, criado de Martim Carneiro, criado do duque de Guimarães, na sequência do perdão geral outorgado aos homiziados que serviram na armada e conquista da vila de Arzila e cidade de Tânger; ANTT: Chancelaria de D. Afonso V, liv. 22, fl. 55v. Pedro Vaz Golias, natural da vila de Guimarães, onde viveu, o qual foi armado cavaleiro, em 1505, na praça de Ceuta, por D. Manuel. Gaio, Manuel José da Costa Felgueiras, Nobiliário das Famílias de Portugal, tít.: Farias, § 11, n.º 7., foi armado cavaleiro pelo rei D. Manuel na Praça de Ceuta. Miguel Sobrinho de Mesquita, serviu na Praça de Ceuta onde foi armado cavaleiro, acompanhou João Rodrigues Pereira nas guerras que fez aos Mouros aonde ficou cativo. Bernardo do Amaral andou por Tânger e Ceuta, SMS: Cota ARQ185 “Certidão passada a Bernardo d’Amaral a comprovar a sua ida a Tânger e Ceuta, 1580. Em 18-jan-1588 uma quitação de herança documenta um natural, de nome Pedro Manuel, filho de Manuel Dias e de Catarina Afonso, moradores em Guimarães, que faleceu na cidade de Ceuta, nas caravelas da armada que os Turcos tomaram. AMAP: Cota Antiga Notarial 46, fl. 69 v. Em 03 de setembro de 1597, Gonçalo João, morador na cidade de Ceuta, filho de Gião Martins morador no casal do Rio da freguesia de São Bartolomeu de Vila Cova, veio à terra vender toda a herança bens móveis e de raiz que ficaram por falecimento de Margarida Fernandes sua mãe por preço e quantia de quinze mil reais. AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 80, fl. 83 v a 85.

[5] Faria, Rui Jerónimo L. Mendes, «Lavoura, ofício e mercancia – Estratégias matrimoniais à hora de atribuir o dote – Guimarães, 1540-1590» in VI Colóquio Internacional de Genealogia.

[6] AMAP: Notarial n.º 19, fls. 98 v., – 99 v.

[7] Assim, a 06 de março de 1592 (AMAP: Notarial n.º 75, fls. 178 v. – 180 v.), estabelece um contrato de companhia a perda e ganho com Sebastião Rodrigues, mercador; este entraria com o trabalho e Valentim de Barros com a quantia de cento e vinte mil reis em dinheiro. No dia seguinte, novo contrato de companhia, desta vez com Isabel Francisca, dona viúva, mulher que foi de Manuel da Costa, rico mercador. Desde a morte do marido Isabel Francisca tomara as rédeas dos negócios familiares, a que deu continuidade com o auxílio de seus caixeiros. A fórmula era idêntica, Isabel Francisca entrava de sua parte com o seu “industriamento e trabalho” e Valentim de Barros entraria com duzentos mil reis em dinheiro de contado (AMAP: Notarial n.º 75, fls. 182-184.). A treze de novembro desse mesmo ano, novo contrato de dinheiro a perda e ganho, desta vez com o senhor Francisco Teixeira, morador no lugar de Vila Verde do concelho de Unhão. São-lhe entregues “cento e cinquenta mil reis a perda e ganho por moedas de reales de prata para ele Francisco Teixeira com eles tratar por tempo de um ano e pegará em mercadorias da terra e seguras das quais pagará os direitos que forem devidos para tratar sempre em terra seguros e não por mar” (AMAP: Notarial n.º 76, fls. 154 v. – 156). A dezoito do mesmo mês empresta trinta mil reis a perda e ganho a Francisco Vaz, marchante no Toural, com o qual ainda ajustava contas em 1597 (AMAP: Notarial n.º 50, fls. 27 v., 28). A vinte e três de fevereiro do ano seguinte mais um importante negócio, desta vez de âmbito familiar, Valentim de Barros contrata o casamento de sua irmã, Maria de Barros, com o senhor Baltazar Vieira Laborão, cavaleiro fidalgo, membro de uma das principais oligarquias locais (AMAP: Notarial n.º 46, fls. 149-150). No referido documento promete-lhe em dote e casamento uns impressionantes setecentos mil reis! Nada disto seria possível sem a sua aventura pelas terras de além-mar.

[8] Município da província de Almeria.

[9] ANTT: Processo de Domingos de Castro. Códigp de Referência: PT/TT/TSO-IL/028/04923. Datas de Produção: 1634-07-03 a 1634-07-14. Cota atual: Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 4923, fls. 1-4.

[10] Um destes grandes comerciantes de escravos vimaranense foi Jerónimo Lobo Guimarães vide: Salles, Hyllo Nader de Araújo, «Os réditos do tráfico de escravos com a Costa da Mina: os contratos do direito de 3$500 réis da capitania da Bahia, 1724-1764» in Revista Angelus Novus, ano XV, n. 20, 2024. Souza, Cândido Eugênio Domingues, O tráfico negreiro da Bahia: agentes, investimentos e redistribuição (1690-1817), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, Tese de Doutoramento em História desenvolvida sob protocolo de cotutela, 2023, p. 71, p.317, p.286 nota 867. Domingos Ribeiro Guimarães, idem, p.182. Muito provavelmente também era natural Inácio Antunes Guimarães, idem, p.217.  Jerónimo Lobo Guimarães, nascido em São Paio Guimarães, a 03-maio-1682, filho de Pedro Lobo, sapateiro e depois contratados de couros e de sua mulher Paula Antunes. Registo do edital que o provedor-mor da Fazenda Real mandou passar para ir a notícia de todos em como Jerónimo Lobo Guimarães rematou o contrato dos direitos dos negros se despacharem para as minas pelo Conselho Ultramarino, p. 326 na obra Documentos históricos Livro 1 de regimentos 1684-1725, Registo de Provisões da Casa da Moeda da Bahia 1775, Vol. LXXX, Biblioteca Nacional. 1727, novembro, 27 REQUERIMENTO do contratador dos dízimos da capitania de Pernambuco Jerónimo Lobo Guimarães, ao rei [D.João V] pedindo provisão para obrigar o provedor da Fazenda Real de Pernambuco a abrir qualquer caixa . e Jeronymo Lobo Guimarães, contratador do imposto sobre os escravos e da Nau guarda Costa do Rio de Janeiro, relativos á execução dos seus contratos e ás duvidas suscitadas pelo Provedor da Fazenda (1725). Domingos Ribeiro Guimarães, nascido no lugar de Pevidém, São Jorge de Cima de Selho, a 29-mar-1719, filho de Faustino Ribeiro e de sua mulher Teresa Gomes. Sendo rapaz fora criado do licenciado Pedro Pereira advogado na vila de Guimarães de onde fora para a cidade de Lisboa onde foi caixeiro  de um mercador da dita cidade de Lisboa de onde fazia viagens para o Brasil. Posteriormente fixou-se na Baía, onde casou com Hilária da Purificação viúva que ficou de Maurício Carvalho da Cunha, Familiar do Santo Ofício. ANTT: Diligência de habilitação de Domingos Ribeiro Guimarães. Código de referência: PT/TT/TSO-CG/A/008-001/6839. Cota Atual: Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, Domingos, mç. 35, doc. 632.

[11] Ferreira, Maria da Conceição Falcão, «Os testamentos de Pedro Afonso, cónego de Guimarães: Um querer de vontades diversas (1494-1498)», 1998, fls. 315-323, https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/3186.pdf, consultado 25-set-2024. ANTT: “Testamento do reverendo Pedro Afonso, cónego que foi nesta igreja que deixou o cabido por testamenteiro e herdeiro, em o qual deixa trezentos reis de censo cada ano por umas casas em Rua de Gatos, com obrigação de nove lições de finados em véspera de Santa Maria de Março”. Código de referência, PT/TT/CSMOG/DP70/18. Data de produção: 1498-08-21. Cota Atual: Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães, Documentos particulares, mç. 70, n.º 18. Cota original: Gaveta 3, mç. 8, n.º 133.

[12] AMAP: AMAP: Colegiada 932b, fls. Fl. 186 v a 187, de 28-jul-1564, «procuração de Diogo Gonçalves da Índia a António Lopes ferreiro morador em vila real e a Pedro, arábico, escravo dele constituinte».

[13] AMAP: Cota Antiga, Notarial fls. 234-235 v., de 04-set-1579. «Carta de alforria». «Nas posadas do Exmo. Senhor Dom Fulgêncio estando sua Ilustríssima Senhoria presente fazia mercê a Fernão da Costa seu escravo e cativo o fazia forro e livre isento do cativeiro o qual Fernão da Costa é Abexim de preste João da índia e de Idade de vinte e cinco anos pouco mais ou menos de rosto comprido meia estatura e tem três sinais hum em cada fonte e outro no meio da testa que lhe chega ao meio do nariz e tem hum dente enfestado da banda de baixo com a condição que ele Fernão da Costa não more Entre Douro e Minho e sendo achado nele e em seus limites e termos isso facto fique cativo e sujeito a sua ilustríssima(…)».

[14] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 20, fls. 5 v.-6 v., de 25-set-1572, «Instrumento de venda de um escravo por nome Francisco». «Na Rua do Gado nas Pousadas do tabelião estando presentes Gaspar de Matos morador na dita vila criado do Ilustríssimo Dom Fulgêncio e bem assi Francisco Anes abade de Santa João de Ponte termo da dita vila pelo qual Gaspar de Matos foi dito que ele estava contratado e concertado com o dito Francisco Anes de lhe vender um escravo por nome Francisco do Brasil por preço e quantia de vinte cruzados em dinheiro de contado desta moeda corrente(…)».

[15] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 10, fls. 136-138, de 16-jan-1572, «Carta de Alforria do escravo índio de casta guzarate Diogo Álvares de idade de quarenta anos mais ou menos que servira Gaspar Álvares, cavaleiro fidalgo e sua mulher Beatriz de Azevedo não só na Índia mas também nestes reinos de Portugal».

[16] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º fl. 108 v, de 23-dez-1588, «Procuração de Francisco Sodré Peneda». «Nas pousadas do tabelião estando aí Francisco Sodré de Peneda cavaleiro fidalgo e fazia seus bastantes procuradores a Leonel Mendes Pinto mercador para que possa receber e cobrar e sua mão de Pedro Novais ora estante no Reino do Brasil na Baía de Todos os Santos um escravo por nome João Façanha que a ele constituinte lhe ficou de seu pai […]»

[17] AMAP: Colegiada 932 s, fl. 203, de 03-jun-1586, «Procuração de Diogo Afonso Caneiros, mercador, morador na freguesia de Santa Eulália de Fermentões a António Gonçalves mercador e António Nogueira seu sobrinho ambos vizinhos e moradores na cidade de Sevilha para cobrarem e haverem a sua mão e poder um escravo por nome Bastião que lhe fugiu das suas atafonas que tem na dita cidade de Sevilha na Rua da Calhe Anchã de São Vicente e fazer certo por instrumentos e testemunhas de como o dito escravo é seu que comprou nesta vila de Guimarães a Marcos Fernandes Escaramenta nela morador os sinais do qual escravo e feições vão declarados num instrumento que ele constituinte tirou nesta vila de Guimarães». SMS: BS 1-7-94, Notarial de Salvador de Faria, s/n.º de folha, de 20-abr-1554, «Procuração bastante». «Na vila de Guimarães nos Paços do senhor Gomes Afonso Dom prior de Nossa Senhora da Oliveira estando ele presente e logo por ele foi dito fez por seus bastantes procuradores Francisco Freire criado dele e a Álvaro Coura fidalgo da casa do duque de Bragança para que em nome dele possam ir aos Reinos de Castela e a quaisquer outras partes arrecadar um seu escravo que se chama por nome Manuel filho de uma Moura dele  bem disposto e mancebo sem barba  de vinte e dois até vinte e três anos que lhe fugiu desta vila neste mês de Fevereiro passado presente e requeiram a todas as justiças e senhores que lhe mandem entregar para lho trazerem a esta vila (…)»

[18] AMAP: Colegiada 932b, fls. Fl. 186 v a 187, de 28-jul-1564, «Procuração de Diogo Gonçalves da Índia».

[19] AMAP: Colegiada 932j fls. 75-77 v, de 02-jan-1576, «Procuração bastante de Catarina Francisca, dona viúva».

[20] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 15; Cota Nova 9-1-1-4-3, fls. 229-232 v., de 01-set-1579, «Instrumento de partilhas e quitações entre irmãos».

[21] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 51, Cota Nova, 9-1-2-5-1, fls. 26 v-27, de 17-jul-1598, «Perdão de Estêvão de Miranda a Belchior Fernandes».

[22] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 77, de 26-abr-1594, fl. 70 e v, de 26-abr-1594, «Quitação».

[23] SMS: BS 1-7-94, Notarial de Salvador de Faria, de 15-set-1554, «Instrumento de desistência de demandas feito por via e modo de transação».

[24] ANTT: Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Coimbra, proc. 9943. «Diz Gaspar Antunes familiar do Santo Ofício da Inquisição de Coimbra, morador na vila de Guimarães, que um António da Cota Barcelos morador na dita vila; denunciou dele suplicante diante da justiça desta vila dizendo em sua denunciação que servindo de almotacé o ano passado de 99 espancara com a vara a um escravo seu por nome António e que lhe dera muitos couces e bofetadas e isto dentro do açougue e que disso viera a falecer, não sendo tal na forma de sua denunciação antes é verdade que estando ele suplicante repartindo a carne ao povo o dito escravo entrou dentro do açougue e sem licença dele suplicante despendurou uma pá de vaca e a deitou fora pelas grades dando-a a outra pessoa ao que acudiu ele suplicante trabalhando por lha tomar lhe resistiu atirando-lhe com uma pedra dando-lhe com ela na cabeça caindo logo no chão como morto fazendo-lhe uma ferida muito grande de que esteve em perigo de morte e a esta revolta acudiram os vereadores que estavam na câmara e foi preso o dito escravo e posto na cadeia adoeceu de peste que então começava na dita vila de que morreu e assim morreram 17 presos que estavam com ele do dito mal e visto o dito António da Costa o seu escarvo morto denunciou dele suplicante dizendo que de pancadas morrera e para isso deu alguns criados seus, e outras pessoas de sua obrigação, por testemunhas, e com isso foi preso e ora corre seu livramento diante dos inquisidores de Coimbra que mandaram avocar aí os autos e ele suplicante tem muita necessidade de dar muitas contas e arrecadar dívidas da obrigação de procurador geral que foi da câmara da Vila de Guimarães o que até agora não fez por respeito da peste e assim para a prova de seu livramento pede a Vossa Senhoria lhe faça mercê de lhe dar à vila e arrabalde por prisão e para isso dará fianças ao julgado e sentenciado e assim para a entrega de sua pessoa e RM ou sobre fiel carcereiro».

[25] Casta de lavradores ricos que trabalhava terras próprias por suas mãos, ou de escravos e criados, o que conferia certo grau de prestígio, aproximando-os das franjas da baixa nobreza, por se dizer “viviam à lei da nobreza”.

[26] Já no final do século XVIII início do século XIX a propriedade passa a chamar-se quinta do Celeiró.

[27] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 2, fl. 84-85, de 09-jan-1549. «Quitação que dá Catarina Afonso viúva mulher que foi de Pedro Dias Barbeiro e seu genro Álvaro Pires alfaiate e sua mulher Isabel Pires filha dela Catarina Afonso aos padres da Costa de dezasseis mil reais que um escravo que o dito seu marido já defunto vendeu ao dito Mosteiro».

[28] Era síndico de São Francisco, Frutuoso Gomes Faneca, fabricante de foles, abastado mercador e com parentela em linhas de escudeiros mercadores.

[29] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 45, Fl. 87 a v., de 11-abr-1587, «Procuração que faz Frutuoso Gomes, foleiro.

[30] AMAP: Cota Antiga: Notarial n.º 9. Cota Nova: 9-1-1-3-1, fls.4-5, de 15-abr-1570.

[31] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 79, fls. 19 v a 20 v., de 13-maio-1596, «Carta de alforria e quitação»

[32] AMAP: Cota Antiga, Notarial n.º 81, Cota Nova, 9-1-3-4-1, de 30.maio-1598, «Carta de alforria que fez Gaspar Gomes a Isabel sua escrava».

BIBLIOGRAFIA

 

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